Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) revelou que, durante o governo Bolsonaro, o Ministério da Saúde adquiriu quase R$ 32 milhões em preservativos femininos desnecessários durante o auge da pandemia de Covid-19.
No período de pandemia, sob o comando de dois ex-ministros da Saúde — General Eduardo Pazuello e o médico cardiologista brasileiro filiado ao Partido Liberal (PL), Marcelo Queiroga — as compras, realizadas entre setembro de 2020 e setembro de 2021, foram feitas por meio de licitações de uma empresa que, posteriormente, foi investigada pela CPI da Covid. Segundo a CGU, o ministério comprou 10 milhões de preservativos femininos de látex ou borracha.
No momento da aquisição, o ministério já possuía mais de 8,5 milhões de preservativos femininos em estoque, adquiridos em 2019 ainda pelo governo Bolsonaro, como diz a União.
Durante 2021, revela-se que somente 10,8 milhões de preservativos foram efetivamente distribuídos, com 7,9 milhões ainda pertencendo ao contrato anterior. A distribuição efetiva dos itens adquiridos em 2020 só foi iniciadaou em fevereiro de 2022, resultando em apenas 3,8 milhões distribuídos ao longo do ano de 2022.
O relatório destaca a falta de planejamento e pede ao Ministério uma “maior racionalidade” na utilização dos recursos públicos.
“Espera-se que, a partir dos resultados obtidos neste trabalho de auditoria, o Ministério da Saúde planeje de forma mais assertiva suas aquisições; atue com mais transparência na priorização das compras de insumos e maior racionalidade na otimização da utilização dos recursos públicos e no dimensionamento das reais necessidades de abastecimento e distribuição”, comunicou a CGU em relatório.
A Controladoria-Geral da União (CGU) recomenda ao Ministério da Saúde que seja mais ágil no acompanhamento e na aplicação de penalidades em contratos. O relatório destaca que as constatações da CGU podem resultar em processo administrativo se indícios de irregularidades por parte de servidores forem identificados. Até o momento, nenhuma punição foi aplicada.
CGU destaca o “contexto crítico”
A Controladoria-Geral da União (CGU) aponta falhas na compra de preservativos pelo Ministério da Saúde durante a pandemia. O relatório destaca a falta de consideração ao “contexto crítico” e ressalta que as restrições de circulação e o cancelamento de eventos impactaram a distribuição planejada.
Segundo o documento: “Há que se considerar o impacto que as restrições impostas à circulação de pessoas ocasionaram na necessidade efetiva de distribuição dos preservativos femininos adquiridos, além do fato de que diversas campanhas realizadas em épocas festivas comuns no calendário brasileiro, em que há um reforço na distribuição de preservativos, não foram realizadas ou não tiveram o efeito esperado em razão do cancelamento de alguns eventos, como Carnaval e Reveillon”.
Os auditores criticam a falta de ponderação sobre a “prioridade da aquisição”, especialmente em um “cenário de combate à pandemia.”
O valor gasto nos contratos, aproximadamente R$ 32 milhões, é questionado pelos auditores, que o comparam a “19.938 diárias de leitos de UTI-Covid.” O relatório também ressalta a falta de explicação do ministério sobre a origem do consumo médio mensal de 3,5 milhões de preservativos femininos utilizado para o cálculo da compra.
Os dados que embasaram a necessidade da licitação foram considerados superestimados pelos auditores, “sem o memorial dos cálculos dos quantitativos de preservativos femininos e sem a apresentação da documentação que lhes deu suporte no processo licitatório”.
Empresa acusada de CPI
A empresa responsável pelas vendas, a Precisa Medicamentos, também foi investigada pela CPI da Covid devido a irregularidades em contratos anteriores com o ministério. A CPI da Covid investigou a empresa devido ao contrato da vacina Covaxin. A comissão alegou, na época, pressão no Ministério da Saúde para a importação da vacina, apontando falhas no contrato, preço elevado e solicitações de pagamento antecipado.
O relatório da CPI indiciou a empresa e um sócio por diversos crimes, como ato lesivo à administração pública e improbidade administrativa. Ambos negam irregularidades.
A CGU também identificou irregularidades, bem como o Tribunal de Contas da União, que alertou sobre problemas em quatro contratos da empresa com o Ministério da Saúde de 2018 a 2021.
Falhas no Ministério da Saúde
A CGU identificou falhas nos contratos do Ministério da Saúde ao analisar preços e condições de participação de empresas. Problemas no cálculo dos valores — o cálculo do valor referência ocorreu por meio de uma média das cotações, sem diferenciação de tipos de preservativos, que incluíam preservativos de diferentes materiais, como de látex, mais baratos, e de borracha nitrílica ou poliuretano, mais caros —, resultaram em distorções que podem ter causado “distorções prejudiciais à competitividade”, segundo auditores.
A auditoria também destaca falhas na análise de documentos, indicando que a falta de diligência pode ter favorecido empresas que não atendiam às condições jurídicas necessárias para contratar com a administração pública.
“Falhas na diligência das análises da documentação de habilitação, com a não observância das exigências do edital, podem ter afrontado o tratamento isonômico e impessoal a que devem ser submetidos os licitantes e ocasionado o favorecimento de empresas sem que preenchessem todas as condições jurídicas de contratar com a administração pública”, afirmou em relatório.
Lentidão na aplicação de multas pelo Ministério
A auditoria da CGU revela atrasos significativos na entrega de preservativos, chegando a mais de 5 meses. Encomendas previstas para janeiro de 2021 foram cumpridas somente em maio, enquanto aquelas programadas para março só foram disponibilizadas ao Ministério em julho do mesmo ano.
Os auditores destacam a ineficácia das cobranças, realizadas apenas após a entrega, segundo a CGU, perde assim: “qualquer efeito de pressão sobre a empresa para que efetuasse as entregas o quanto antes”.
O Ministério da Saúde, conforme apontado pelo órgão de controle, também foi lento na aplicação das multas previstas no contrato diante dos problemas identificados. Mesmo após “18 meses desde o fim da vigência dos Contratos (…), nenhum valor a título de multa foi ainda efetivamente cobrado pelo Ministério da Saúde.”
Garantia
Os auditores evidenciam que a Precisa Medicamentos, uma das contratadas, apresentou uma garantia imprópria, já investigada na CPI da Pandemia devido ao contrato da vacina Covaxim.
A empresa forneceu uma garantia fidejussória de uma instituição não bancária, não cadastrada no Banco Central do Brasil. O relatório destaca a ausência de análise sobre a aceitação dessa garantia no processo de contratação: “não consta no processo de contratação (…) nenhum despacho, nota técnica ou documento correlato que apresente uma análise sobre a aceitação dessa garantia”, diz documento.
Na prática, segundo o relatório, o ministério passou a exigir a substituição da garantia por uma válida, mas a empresa só concordou em novembro de 2021, alegando sua desnecessidade após a entrega total dos objetos contratados.
Apesar da notificação à Precisa e da defesa apresentada pela empresa em outubro de 2021, conforme auditores apontam, a diretoria do Departamento de Logística do ministério decidiu multar a corporação apenas em dezembro de 2022. Até abril de 2023, ainda não havia sido notificada da multa de aproximadamente US$ 60 mil.
O Ministério da Saúde afirmou ao G1 que analisará os apontamentos da CGU sobre os contratos e se posicionará em relação às decisões da gestão anterior.
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