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Combatendo a Dengue, Zika e Chikungunya

É fundamental implementar estratégias interativas de controle vetorial, envolvendo a participação ativa da sociedade, do setor público e privado
03/02/2024 | 10h16

Por Gustavo Cabral *

Nos últimos tempos, temos sido bombardeados com uma enxurrada de notícias alarmantes sobre o aumento dos casos de dengue e chikungunya, e os desdobramentos desastrosos que acompanham esses surtos. Desde a escassez de sangue em hospitais de Minas Gerais até o crescimento vertiginoso de mais de 1000% nos casos de Dengue no Distrito Federal, a situação tem gerado uma preocupação crescente entre autoridades e cidadãos. A Ministra da Saúde, Nísia Trindade, expressou sua apreensão com a proximidade do carnaval, o retorno às aulas e o agravamento da situação da dengue. Em declarações recentes, a Ministra enfatizou que “a vacina é nosso instrumento de esperança em relação a um problema de saúde pública que tem quase 40 anos”. Ela também ressaltou que, embora as primeiras doses da vacina contra a dengue estejam sendo disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), essa não é a única estratégia para conter o avanço dessas doenças, já que o sistema público ainda não dispõe de doses suficientes para abranger a maior parte da população.

Não há dúvidas de que a vacinação é uma das melhores ferramentas na luta contra doenças infecciosas como a Dengue, Zika e Chikungunya. Entretanto, como destacado em um artigo publicado na revista científica “Frontiers in Immunology” pelo grupo de pesquisa que coordeno na USP, ela não é a única. Uma estratégia integrada é essencial para enfrentar essas viroses. Não podemos nos dar ao luxo de nos apegar a uma única solução, seja ela a espera por uma vacina milagrosa ou uma medicação salvadora. O combate eficaz à dengue, chikungunya e outras doenças transmitidas por mosquitos requer uma abordagem multifacetada que aborde não apenas o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, mas também medidas de controle de vetores, educação pública, saneamento básico e outras estratégias de prevenção e controle. Neste contexto, é essencial reconhecer a complexidade desses desafios e adotar uma abordagem holística que leve em consideração todos os aspectos envolvidos no controle dessas doenças.

Vamos explorar um pouco mais sobre essas viroses, conhecidas como arboviroses, que são doenças virais transmitidas por artrópodes, como o mosquito Aedes aegypti. Elas representam um sério desafio para a saúde pública, especialmente em regiões tropicais como o Brasil, onde os vetores competentes, como o A. aegypti, são amplamente encontrados. Os sintomas incluem febre, dor de cabeça, dores articulares e erupções cutâneas, podendo evoluir para casos graves com risco de vida. A semelhança na sintomatologia entre essas viroses destaca a importância do diagnóstico preciso para orientar as medidas adequadas.

Além disso, é crucial considerar a distribuição geográfica dessas viroses. Por exemplo, o vírus da dengue é o arbovírus mais prevalente globalmente, afetando mais de 100 países tropicais e subtropicais. Esta batalha contra a dengue é longa e fundamental, especialmente à luz da pandemia de Covid-19, que evidenciou os perigos das viroses quando não enfrentadas de forma coordenada e unificada entre nações.

Não se engane pensando que o problema está restrito apenas à dengue. O vírus Zika é outro arbovírus patogênico emergente identificado pela primeira vez em 1947 na floresta Zika, em Uganda. Antes de 2007, era conhecido por causar uma doença febril leve em um pequeno número de pessoas em países da África e partes da Ásia. No entanto, desde então, o vírus se disseminou por vários países e, em 2014, chegou ao Brasil e outras regiões das Américas, provocando alarme mundial ao ser associado à microcefalia em recém-nascidos. Além da transmissão pelo mosquito Aedes, estudos revelaram outras formas de transmissão, como por transfusão de sangue infectado, transmissão sexual e transmissão de mãe para filho, dificultando ainda mais o controle da virose.

O vírus Chikungunya foi identificado inicialmente em 1952 durante uma epidemia na Tanzânia, sendo isolado de mosquitos Aedes e Culex em 1953. Atualmente, o CHIKV está presente em mais de 100 países, com surtos frequentemente relatados no Brasil e em outros lugares. No entanto, ele não se limita a “países de classe média e baixa”. Na Europa, por exemplo, mutações no vírus permitiram sua adaptação para ser transmitido por um “novo vetor”, o Aedes albopictus, presente em regiões temperadas. Isso resultou em surtos em países europeus, como Itália e França.

Voltando nossa atenção para o cenário brasileiro, conforme destacado no artigo científico que serve como base para esta matéria, mais de um milhão de casos são notificados anualmente apenas nas Américas, sendo a maioria desses registros proveniente do Brasil.

Diante da complexidade dessas viroses, é crucial compreender detalhadamente a biologia dos arbovírus, sua interação com os vetores e hospedeiros, bem como sua história, para desenvolver estratégias integradas de controle de forma eficaz. Diversos fatores contribuem para o surgimento desses arbovírus, incluindo o crescimento populacional em áreas urbanizadas sem planejamento, as mudanças climáticas e a adaptação genética viral. Além da transmissão entre artrópodes e humanos, esses vírus podem infectar uma ampla variedade de espécies animais, tornando praticamente impossível sua erradicação completa.

Portanto, é essencial investir no desenvolvimento de diversas vacinas eficazes contra os quatro sorotipos da dengue, além do Chikungunya e Zika, e desenvolver terapias antivirais. Esse é um desafio significativo, porém, com investimento contínuo e correto na ciência, é possível superar esses e muitos outros obstáculos.

Também é fundamental implementar estratégias interativas de controle vetorial, envolvendo a participação ativa da sociedade, do setor público e privado. Essas questões são complexas e requerem o envolvimento de equipes multidisciplinares para o planejamento e execução de projetos a curto, médio e longo prazo. São projetos estruturais que envolvem educação, planejamento de execução e aprimoramento com base nos resultados obtidos.

À medida que enfrentamos os desafios complexos apresentados pelos arbovírus, torna-se claro que uma abordagem holística e colaborativa é imperativa. A integração de avanços na pesquisa antiviral, desenvolvimento de vacinas eficazes e métodos inovadores de controle de vetores, juntamente com programas de vigilância robustos, fortalece coletivamente a defesa global. Essa frente unificada não apenas previne surtos imediatos, mas também estabelece as bases para uma abordagem resiliente e adaptativa no combate aos futuros desafios dos arbovírus.

*Imunologista PhD e Coordenador de Pesquisa no ICB-IV da USP, para o desenvolvimento tecnológico de vacinas aplicadas contra Covid-19, Chikungunya, Zika e Dengue vírus.

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