Por Rogério Sottili*
Nesta quarta-feira (12), Maria Elizabeth Rocha assume a presidência do Superior Tribunal Militar (STM) em um momento crucial para a democracia brasileira. Sua posse não é apenas um marco simbólico por romper barreiras de gênero, sendo a primeira mulher a ocupar o posto em 218 anos de história da corte, mas também representa um avanço necessário para o fortalecimento democrático e a reafirmação do real papel das instituições militares dentro do Estado de Direito.
A trajetória de Maria Elizabeth Rocha é fundamental para compreender o impacto de sua chegada à presidência do STM. Em um ambiente tradicionalmente masculino e hierárquico, ela construiu uma carreira marcada por enfrentamentos e resistência, consolidando-se como uma voz dissonante dentro do tribunal. Sua presença solitária como única mulher entre 14 ministros evidencia o longo caminho que ainda precisa ser percorrido para garantir maior diversidade e equidade nos espaços de poder.

Superior Tribunal Militar (STM)
No atual contexto político, em que setores das Forças Armadas estiveram envolvidos em articulações golpistas e tentativas de subversão da ordem democrática, a ascensão de Maria Elizabeth Rocha ao comando do STM carrega um significado ainda maior. Ao longo dos anos, o tribunal militar tem sido, quase sempre, tratado como um mero apêndice do quartel, servindo a interesses corporativistas e resguardando uma cultura de impunidade. A nova presidente tem a oportunidade — e o desafio — de redefinir esse papel, reafirmando o STM como uma instituição comprometida com a Constituição e os valores democráticos.
Recentemente, em entrevista à imprensa local mineira, Maria Elizabeth Rocha destacou que “a democracia é e sempre será um projeto inacabado e que, embora haja falhas, ainda é o melhor regime político que nós temos”. Sua visão não apenas reforça a importância da vigilância constante contra retrocessos institucionais, mas também dialoga diretamente com a necessidade de revisitar passivos históricos, como a interpretação vigente da Lei da Anistia.
O entendimento da ministra sobre a anistia se alinha com tratados internacionais de direitos humanos, que estabelecem que crimes de tortura são imprescritíveis e, portanto, não podem ser objeto de anistia. Essa perspectiva é compartilhada pelo Instituto Vladimir Herzog, que há anos denuncia como a impunidade garantida pela Lei da Anistia tem permitido a perpetuação de práticas autoritárias dentro das Forças Armadas. A manutenção dessa cultura de impunidade foi um dos fatores que possibilitaram os ataques de 8 de janeiro e a participação de militares na tentativa de golpe contra o governo eleito — e até mesmo nos planos de assassinato de chefes de Estado, demonstrando que a omissão institucional diante dos crimes do passado tem impactos diretos no presente.
Para além da questão da anistia, a chegada de Maria Elizabeth Rocha ao comando do STM sinaliza a possibilidade de uma maior transparência e democratização da Justiça Militar. Historicamente, o tribunal tem operado em uma lógica de opacidade e distanciamento da sociedade civil, sendo pouco cobrado por sua atuação e decisões. Um dos grandes desafios da nova presidente será romper com essa tradição e aproximar o STM dos princípios que regem o Judiciário como um todo, fortalecendo sua credibilidade e reafirmando seu compromisso com o Estado de Direito.
Embora o ideal democrático seja a inexistência de tribunais militares, uma vez que toda a sociedade deveria estar submetida à Justiça comum e não a uma jurisdição especial, aparentemente de modo contraditório, mas nao incoerentemente, a posse de Maria Elizabeth Rocha representa um avanço significativo nessa direção.
A ministra, cunhada de torturado e desaparecido político, vítima da ditadura de 1964, assume, contudo, uma missão complexa, cercada por desafios políticos e institucionais. Mas, seu histórico indica que não se dobrará facilmente às pressões dos setores mais reacionários da corte e das Forças Armadas.
Em tempos de fragilidade institucional, sua presença no comando do tribunal militar é um sinal de que a democracia segue sendo defendida por aqueles comprometidos com os direitos humanos, a memória, a verdade e a justiça. Seu mandato pode marcar um divisor de águas, consolidando avanços e abrindo caminhos para um futuro em que as instituições militares sejam, de fato, subordinadas aos princípios democráticos, e não agentes de sua erosão.
*Rogério Sottili é diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog. Foi Secretário Especial de Direitos Humanos do Governo Federal, Secretário Municipal de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo, Secretário Executivo da Secretaria Geral da Presidência e Secretário-Executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Relacionados
Nova presidente do STM diz ver crime militar de Bolsonaro, mas que cabe à Promotoria identificar
Segundo a ministra Maria Elizabeth Rocha, se condenado, ex-presidente pode perder patente
Nove em cada dez agressões contra mulher foram presenciadas por alguém
21,4 milhões de brasileiras sofreram violência no último ano
Mulher é agredida por PM enquanto trabalhava no 8 de março em MG
A oficial de justiça cumpria uma dilgência no Dia Internacional da Mulher quando levou uma cabeçada e soco no rosto