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Leonardo Boff escreveu: A busca da justa medida (I e II), Vozes 2023; A oração de São Francisco: uma mensagem de paz para o mundo atual, Vozes 2014; Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz, Vozes 2009.

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Crer apesar de razões para não crer

Por toda parte, ouvimos grandes lamentos e muito pranto. Há olhos secos de tanto chorar
10/12/2023 | 05h21

Vivemos tempos de interrogações radicais, talvez mais do que em outras épocas. Geralmente, as crises e as grandes fatalidades possuíam um caráter regional, passando desconhecidas pela maioria da humanidade. Hoje é diferente: tudo ocorre de forma global e à luz do sol. Assistimos, em tempo real, à dizimação de todo um povo, à destruição de suas casas e à morte de milhares de crianças inocentes que nada têm a ver com a guerra. Incontáveis permanecem sob os escombros dos edifícios destruídos. Mães carregam filhos e filhas assassinados em seus braços e beijam seus rostos desfigurados. Tudo isso é resultado da mente assassina de um primeiro-ministro sionista de extrema-direita, insensível e desumano: Benjamin Netanyahu.

Essa realidade se repete em vários lugares no mundo. Genocídios são perpetrados na África, na Ucrânia e em outros pontos do planeta, sem que as televisões ou jornais os noticiem. A própria Terra parece entrar em ebulição, como se estivesse se concretizando a visão de São Pedro em sua segunda epístola: “a terra será consumida em fogo; os céus se dissolverão em fogo e os elementos abrasados se derreterão” (2Ped 3,10.12). O aquecimento global atinge um ponto tal que alguns cientistas falam do início da era do Piroceno, a era do fogo, possivelmente a mais perigosa na existência da vida no planeta.

Por toda parte, ouvimos grandes lamentos e muito pranto. Há olhos secos de tanto chorar. Os que ainda creem gritam desesperados: onde está Deus? Por que permite tanta maldade? Por que não intervém e segura o braço criminoso? Por que se cala? Outros descreem de qualquer sentido na vida e na história, questionando por que podemos ser tão cruéis e sem piedade, quando poderíamos ser afáveis e amorosos uns com os outros e com a natureza. Sentem-se como um projeto falido no processo da evolução, sem esperança de aprendizado com a história, cometendo crimes cada vez mais severos e atrozes.

Diante dessas contradições, entendemos os ateus. Eles apresentam muitas razões para negar a existência de um Ser bom e amigo dos seres humanos. No entanto, muitos deles são sinceramente éticos: creem na justiça e na verdade, compadecem-se com os sofredores, solidarizam-se com os injustamente humilhados e ofendidos, procurando aliviar o sofrimento dos crucificados. Enxergam sentido nessas práticas sem se vincularem a alguma religião ou igreja.

Mas a ferida continua aberta e sangrando: não poderia ser diferente? Por que somos condenados a padecer tanto no corpo, na mente e no coração? Eis uma questão em aberto. No entanto, há os obstinados e persistentes. Contra todos os absurdos, eles acreditam em um sentido secreto que não podem ver. Apesar de todas as razões que os levariam a negar Deus, continuam a crer, obstinada e persistentemente.

No ano de 1943, cerca de 300 mil judeus estavam reclusos por um alto muro no gueto de Varsóvia. Rebelaram-se, resultando em milhares trucidados ou transferidos para campos de extermínio. Antes de ser morto, um judeu teve tempo de escrever um pequeno documento, dizendo: “Creio no Deus de Israel, mesmo que Ele tenha feito tudo para que eu não creia nEle. Escondeu seu rosto. A folha na qual escrevo estas linhas vou encerrá-la numa garrafa vazia. Vou escondê-la atrás dos tijolos da parede mestra, logo abaixo da janela. Se, um dia, alguém a encontrar e a ler, vai entender, talvez, o sentimento de um judeu – um entre outros milhões – que morreu abandonado por Deus, esse Deus em quem continuo a crer firmemente”.

Essas palavras não nos fazem lembrar Jó, que no meio da maior tragédia pessoal e familiar, teimosamente diz a Deus: “Mesmo que me mates, ainda assim creio em ti” (Jo 15,13)? E outro contador de inspiradas parábolas, grande curador de todo tipo de doença, que invocava Deus com um nome de extrema intimidade, “Paizinho querido” (Abba), foi condenado pelos religiosos da época por colocar as leis e as tradições sob o crivo do amor. Foi crucificado fora da cidade para expressar a maldição de Deus.

Na cruz, no auge do sofrimento, “gritou com voz forte” em seu dialeto aramaico: “Eloí, Eloí lemá sabachtani”: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste” (Mc 15,34)? Para que esse grito de esperança contra a esperança e da fé contra a fé não permanecesse um completo absurdo, uma voz perdida no universo, acredita-se que todos esses persistentes foram acolhidos no seio do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Anuncia-se também que o pregador ambulante que passou pelo mundo fazendo o bem, “o Justo, o Santo e o Verdadeiro” (1Jo 5,10), foi ressuscitado por seu Paizinho querido (Abba). A ressurreição representa uma insurreição contra todos os absurdos deste mundo e, como antecipação, um derradeiro sentido de toda a história. Pois todo sofrimento e toda persistência jamais serão em vão. Seu nome? Jesus de Nazaré.

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