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Uma crônica de Luis Fernando Veríssimo para aliviar a barra pesada

Aos 87 anos, escritor gaúcho é um dos autores mais populares e queridos do Brasil
16/05/2024 | 10h08

Nesta seção, o portal ICL Notícias resgata textos, imagens e sons que façam o leitor dar uma pausa na marcha imediata e angustiante dos fatos para refletir com autores geniais do Brasil e de outros países.

Hoje publicamos “A foto”, crônica de Luis Fernando Veríssimo. Aos 87 anos, Veríssimo é um dos escritores mais populares e queridos do Brasil. Um artista completo: cronista e humorista magistral, autor de contos, romances e peças de teatro, além de desenhista e saxofonista.

Crônica “A foto”

Luis Fernando Veríssimo

Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez.

A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão. Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?

— Tira você mesmo, ué.

— Ah, é? E eu não saio na foto?

O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.

— Tiro eu — disse o marido da Bitinha.

— Você fica aqui — comandou a Bitinha.

Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse. “Não deixa eles te humilharem, Mário Cesar”, dizia sempre. O Mário Cesar ficou firme onde estava, do lado da mulher. A própria Bitinha fez a sugestão maldosa:

— Acho que quem deve tirar é o Dudu…

O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse filho do Luiz Olavo.

O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o filho.

— Só faltava essa, o Dudu não sair.

E agora?

— Pô, Castelo. Você disse que essa câmara só faltava falar. E não tem nem timer!

O Castelo impávido. Tinham ciúmes dele. Porque ele tinha um Santana do ano. Porque comprara a câmara num duty free da Europa. Aliás, o apelido dele entre os outros era “Dutifri”, mas ele não sabia.

— Revezamento — sugeriu alguém. — Cada genro bate uma foto em que ele não aparece, e…

A ideia foi sepultada em protestos. Tinha que ser toda a família reunida em volta da bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão.

— Dá aqui. — Mas seu Domício…

— Vai pra lá e fica quieto.

— Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!

— Eu fico implícito — disse o velho, já com o olho no visor. E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.

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