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Uma crônica de Rubem Braga sobre pessoas que partem e amores que findam

Mestre das letras que consagrou o gênero literário tinha 54 anos quando escreveu essa breve obra-prima
10/06/2024 | 12h27

Hoje publicamos no portal ICL Notícias mais uma crônica de Rubem Braga, nesta seção que resgata textos, imagens e sons que façam o leitor dar uma pausa na marcha imediata e angustiante dos fatos para refletir com autores geniais do Brasil e de outros países.

“Despedida” foi publicada pela primeira vez em livro em “A traição das elegantes”, da Editora Sabiá, no ano de 1967 (página 83). Uma obra-prima do mestre da crônica. O autorretrato que ilustra esta página foi feito em data desconhecida por Braga e pertence ao arquivo de seu único filho com Zora Seljan, Roberto Seljan Braga, que morreu aos 79 anos em 2017.

 

Cadernos do escritor Rubem Braga guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa

Caderno do escritor Rubem Braga guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa, que cuida do seu acervo. Foto: reprodução

 

Despedida

Rubem Braga

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

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