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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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De volta aos isentões, em nome do diálogo entre os que pensam diferente

O isentão, para mim, é aquele que cria falsas equivalências
18/04/2024 | 08h40

Foi uma agradável surpresa saber que o jornalista Pedro Dória citou minha última coluna sobre isentões em vídeo que publicou no canal Meio, criado por ele no YouTube.

Dória usou o texto como contraponto à tese defendida pelo apresentador Luciano Huck, aquele que se orgulha de ser “ambidestro” político. O global diz transitar entre a esquerda e a direita e que não se fecha em “caixas” — certamente foi usando esse método eficaz que ele resolveu votar em Jair Bolsonaro em 2018.

Apesar de discordar de tudo que escrevi e ficar do lado de Huck, Dória fez um simpático convite ao diálogo entre divergentes.

Topei.

Para começar, registro que costumo usar a palavra “isentão” com significado diferente do que ele enuncia. Como se trata de neologismo, o termo tem ainda várias interpretações possíveis.

Não vejo no isentão o cidadão de centro, como Dória se define. Para mim, esse rótulo cai bem naquele tipo que sempre quer ser visto como imparcial, neutro, equidistante, mesmo nesses tempos em que a escolha é entre civilização e barbárie.

O isentão, para mim, é aquele que cria falsas equivalências. É o tal que lava as mãos e deixa a multidão decidir por ele, colocando Barrabás e o outro réu barbudo em pé de igualdade, só para manter a aura de insuspeito.

Esse personagem, aliás, está mais preocupado com a autoimagem de imparcial do que propriamente em fazer justiça.

Ele pode ser de centro, de direita e também de esquerda.

Outro reparo é ao fato de Dória ter colocado minha argumentação em pé de igualdade com um de seus leitores que minimizou a importância da liberdade de expressão. Eu nunca faria isso. Esse é um valor inegociável para mim.

Alerto apenas que em quase todos os sistemas democráticos a liberdade, seja ela de expressão, de ir e vir, ou qualquer outra, tem limite e pode ser cassada — basta que alguém cometa um delito e a Justiça decida que manter livre o infrator pode representar risco à sociedade.

Da mesma forma que o criador do Meio, não acho que devemos pensar duas vezes antes de criticar autoridades da República. Falamos aqui especificamente do ministro Alexandre de Moraes e da decisão de suspender contas nas redes sociais de integrantes da milícia digital que é peça importante na estratégia de golpe dos bolsonaristas.

Xandão pode e deve ser criticado quando exorbitar de suas funções. O ponto de discordância com Dória é simples: considero que o ministro e seus pares do STF acertam em suspender contas nas redes sociais de bandidos que ofendem, mentem e ameaçam seus adversários políticos, atuando em parceria com golpistas que pretendem jantar a democracia.

Vejamos o que escreveu o editorialista da Folha, para criticar a decisão de Moraes: “quaisquer intervenções repressivas do poder público (…) deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes”. Esse é o argumento para acusar o STF de censura prévia.

Proponho ao autor do editorial e a Dória que reflitam sobre a seguinte situação: um determinado grupo de influencers passa a ofender reiteradamente a honra de seus inimigos. Mentem, xingam, ameaçam. São punidos por isso. Depois da punição, voltam a mentir, xingar e ameaçar. São punidos novamente. Repetem o delito.

Digamos que isso se repita dez, vinte vezes. Como agir? As vítimas injuriadas por essa gangue deverão, então, se conformar em viver eternamente sob essa desonra? Ou pode-se considerar que alguém que repete o mesmo crime dez vezes deve perder o acesso ao instrumento que usa para delinquir? Não seria essa uma punição posterior ao delito?

A situação, em que se enquadram Allan dos Santos, Paulo Figueiredo e outros da mesma laia me parece tão óbvia que, no meu entender, somente a vontade de ser isentão pode colocar sob dúvida a decisão de Moraes.

Marcar essa posição é, para mim, proteger a democracia.

Aprecio a defesa do diálogo feita por Dória, apesar de ele considerar que estou no “rumo errado da prosa” e descrever aqueles que se colocam à esquerda como dinossauros intolerantes.

Apenas me surpreende ele acreditar que um país com governadores especialistas em censurar livros escolares, políticos que fazem campanha contra vacina, multidões ávidas pela volta da ditadura militar, pastores que misturam oratória religiosa com fake news políticas e generais conspiradores possa ser considerado normal.

No meu artigo sobre isentões, escrevi: “Não é possível que nada se tenha aprendido com o passado recente e com os planos malignos que a extrema direita anuncia para o futuro do país”.

Em seu vídeo, Dória diz ter a sensação “de que não aprendemos nada nos últimos dez anos”.

Pois é. Divergentes em tantos assuntos, enfim concordamos nesse ponto.

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