Por Chico Alves
Enquanto os integrantes do governo comemoraram a aprovação da reforma tributária pelo Congresso, chamada de “histórica” pelo presidente Lula, e quase todos os aliados bateram palmas, três deputados da esquerda se abstiveram. Fernanda Melchiona (PSOL-RS), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) decidiram ir na contramão, o que motivou críticas nas redes sociais.
O ICL Notícias procurou as deputadas e o deputado para que explicassem os motivos de optarem pela abstenção e a seguir publicamos as respostas de Fernanda Melchiona e Glauber Braga.
De maneira geral, os psolistas avaliam que os pontos da reforma que favorecem os grandes grupos empresariais estão garantidos, enquanto os que beneficiam a maior parte da população ficaram para ser confirmados somente no futuro, em discussões e legislações complementares que poderão mudar radicalmente o seu conteúdo.
Fernanda Melchiona (PSOL-RS)
“Essa é uma reforma cosmética. Ela não vai à raiz dos problemas, ao contrário. Não muda a raiz extremamente injusta e regressiva da carga tributária no Brasil. Não taxa as grandes fortunas, não muda a lógica de tributação sobre o patrimônio, algo que seria correto. Essa reforma simplifica a forma de arrecadação da incidência dos tributos sobre o consumo.
Sabemos que quase metade dos tributos no Brasil incide sobre o consumo, por isso a gente tem uma das cargas mais regressivas do mundo, que quando se trata do consumo recai sobre o povo. Mas ao mesmo tempo que ela simplifica – e isso não é ruim – tem também grandes benesses para grandes setores capitalistas.
Entre elas:
– A constitucionalização da Lei Kandir, ou seja, a isenção de tributação sobre o agro;
– A questão do regime diferenciado dos bancos, ou seja, uma carga tributária extremamente benéfica para os bancos, que virá por lei completar depois, mas já deixa lá que vai ser uma carga tributária diferenciada.
– A isenção para as atividades relacionadas às igrejas, ampliando ainda mais a imunidade tributária das entidades religiosas;
– A isenção de tributos sobre vários tipos de armas e munições.
Mesmo as coisas positivas, como é a questão da isenção da cesta básica, tem que ser feita por lei complementar. Então, o que é positivo foi jogado pra depois, enquanto o que é para beneficiar setores econômicos como a FIESP, como os bancos, como o agro, já estão no DNA da reforma tributária.
Ela não tem cálculos, mas tem uma premissa: não aumentar a carga tributária para manter arrecadação. Ou seja, para garantir essas isenções para os grandes setores capitalistas que foram beneficiados na versão final, a possibilidade que recaia sobre o consumo é enorme. Porque alguém vai ter que pagar essa conta. Cada um real concedido de isenção aumenta a carga tributária embaixo, sobre a população.
Esses são os motivos para a gente fazer um voto de abstenção. A gente não queria ser confundida com a oposição bolsonarista, que é demagógica, porque afinal defende os grandes setores capitalistas, nem com o discurso ufanista, que pega as partes positivas mas que não são sacramentadas, porque são jogadas para lei complementar.
E ainda :aqui não está se falando de taxar o rico, não está se falando de taxar os bilionários. Tem uma lógica de simplificação, que, como eu disse, não é o problema, está correta a mudança da forma de taxação da origem ao destino. Mas ao mesmo tempo quando se incluiu todos esses privilégios para os grandes setores capitalistas nós achamos que é extremamente perigoso.
Além disso, tem uma cláusula que foi incluída no Senado que pode ser um grande “jabuti”, de novo com a lógica de compensação, desonerando folha de pagamento, ou seja, dando isenção tributária para os grandes na prática e ao mesmo tempo mantendo a carga pesada no consumo. Além de inverter a lógica também tem o risco pro rombo da Previdência Social, já que o incremento do orçamento fiscal não é justificativa para se ‘abater recursos do orçamento da seguridade’”.
Glauber Braga (PSOL-RJ)
“A reforma ela tem um caráter liberal, atende a todos os nossos inimigos de classe. O voto abstenção é tático pra se diferenciar do PL e da extrema direita, que em condições outras estariam votando e fazendo festa com a aprovação dessa reforma entre aspas. A pergunta é por que votar ‘sim’? O que ela tem de positivo?
Os pontos que são considerados positivos são jogados para a frente, para definição futura. Numa legislação complementar, em comissão a ser ainda formada e que vai ser vai ser dominada pelos mesmos grupos já conhecidos, que têm imposto derrotas ao governo, quando alguma iniciativa é adotada. Foi esse o caso de dar mais fôlego para as estatais de saneamento, como foi o caso de trazer os sindicatos para a discussão para garantir direito de quem trabalha domingo e feriado, como acabou de acontecer na derrubada dos vetos do marco temporal. Mas os pontos negativos eles já são constitucionalizados.
Por exemplo a ampliação de isenção para empresas que têm relação com grandes conglomerados religiosos. Não adianta a gente dizer que vai enfrentar o fundamentalismo e quando vem uma matéria como essa para votação a gente não problematiza isso. Porque o fundamentalismo se sustenta através de grana. Através de um projeto econômico e de poder. Segundo: não pode ser celebrada como se fosse a oitava maravilha do mundo uma alteração que é elogiadíssima pela Febraban, pela federação dos bancos.
Por que a Febraban faz esses elogios todos? Porque nessa matéria há uma previsão de legislação especial para o sistema financeiro, para os bancos. Ou seja, na ampliação de tributação de maneira estrutural para banco, por isso que eles estão fazendo todo esse elogio. Vamos pra bancada do latifúndio: foi mantido no texto a redução de impostos para insumos agropecuários, entre eles agrotóxicos. O que se faz na prática é constitucionalizar a Lei Kandir, ou seja, aquilo que for mandado pra fora comodittie, como minério, por exemplo, agora está constitucionalizado. Perdemos a arrecadação no território nacional.
É elencado como ponto positivo, por exemplo, a criação de uma lista de itens da cesta básica que vão passar a não ser tributados. Só que isso se remete a uma legislação futura, vai ser definido numa legislação complementar futura. Inclusive, parte substantiva dessas alterações que poderiam ser consideradas positivas nem vão pegar esse governo Lula. Então, esses grupos que são nossos inimigos de classe alteram a Constituição para agora em função de seus interesses prioritários e o restante remetem para o futuro. Isso sem a gente saber o que eles vão incluir nessa cesta básica, porque já existe proposta, por exemplo, de inclusão do conjunto de insumos como agrotóxicos também na cesta básica.
Outro argumento é que a reforma dá racionalidade ao sistema. Isso pode ser um tema a ser elencado, mas deputado de esquerda não vota dando ou fingindo que uma proposta dessa tem caráter neutro. Se ela fosse positiva, de maneira estrutural para a classe trabalhadora, ela não estava sendo celebrada, comemorada por todos os nossos inimigos de classe. Eu queria que fosse indicado um inimigo, eu estou falando das grandes corporações, da mineração ao latifúndio, aos conglomerados religiosos, como Igreja Universal, um desses que tenha feito crítica à aprovação desse texto.
E aí, como mágica, isso surge como se fosse uma alteração estrutural de atendimento à maioria do povo. Tem que ter alguém na esquerda institucional que ocupe aquele espaço para dizer que não é, para não dizer amém, como se fosse a maior maravilha do universo.
Acabou entrando também no último texto a diminuição de tributação para armas e munições”.
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