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Lindener Pareto

Professor e historiador. Mestre e Doutor pela USP. Professor de História Contemporânea e Curador Acadêmico no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). É apresentador do “Provocação Histórica", programa semanal de divulgação científica de História e historiografia nos canais do ICL.

E no entanto é preciso cantar!

Vou abrir meu coração! Vou contar a vocês o que tenho feito para não sucumbir ao caos das guerras externas e internas!
10/11/2023 | 05h00

O risco é sempre o mesmo. Chegou o dia da coluna. O que escrever? Sobre o que vou escrever? Os temas são sempre muitos e variados, há espaço para todo tipo de questão e todas elas nada triviais. A sociedade do cansaço, do consumo, do espetáculo, líquida, efêmera, individualista. As guerras aqui e acolá, os refugiados, as crianças mortas, todo o roubo da vida, toda indiferença. A reforma tributária, o impasse diplomático, o antissemitismo, o genocídio. O aquecimento global e as fofocas dos globais. Há espaço (e deve haver) para tudo. Escrevamos, leitoras e leitores.

Mas confesso que hoje, só por hoje, quero falar de outras coisas. Vou abrir aqui, nesse nosso cantinho especial, só entre nós aqui, não contem pra mais ninguém, vou abrir meu coração. Vou contar para vocês o que tenho feito para não sucumbir ao caos das guerras externas e internas, para expurgar daqui, de dentro de mim, aquele fascismo que nos espreita. Primeiro quero dizer que desde os 11 anos de idade tenho tentando manter um diário. Um desses caderninhos para botar no papel o que se passa ao longo da vida de vigília, do dia, no trabalho, na escola, na família, nos afetos. Mas devo confessar que tenho falhado miseravelmente. Alguns até diriam que tenho falhado poeticamente. Dia desses, alguém que admiro muito nesse mundo, me disse assim: “Você é poético, Lindener.” Vou abrir meu coração, não sei se sou, mas ali eu me senti mais ensimesmado que o Drummond, mais avassalador que o Bocage, mais epifânico e trágico que a Clarice.

O fato é que até hoje meu caderninho/diário tem apenas umas 5 páginas. Uma página que escrevi aos 11, outra aos 16, outra aos 25, outra aos 37 e outra que tentei hoje, aos 40. E devo mais uma vez confessar, é mais fácil escrever uma tese de doutorado de 300 páginas do que botar no papel as dores que habitam por aqui. Vocês sabem, né?! Elas vão se acumulando, camadas de tempo, sonho, sangue e América do Sul.

E por isso, na página dos 40, vou narrar aqui as coisas bacanas que fiz durante essa semana. Coisas que fiz para, repito, espantar o fascismo que assombra feito um pesadelo o cérebro dos vivos. Convidado para uma palestra, embarquei para a República de Curitiba. Primeira vez por lá. Um professor de longa data me contou tudo sobre a cidade, andamos pela alma encantadora das ruas durante a noite, durante algumas horas. Falamos de tudo, do direito à cidade, dos belos parques, do “não é possível que aqui seja reduto bolsonarista”, enfim, falamos da vida, dos signos, dos astros, dos búzios, dos amores. E do amor pelas cidades. Seremos capazes de fazer de nossas cidades um cantinho agradável nesse mundo? E enquanto pensávamos caminhando, imitávamos, os dois, a voz do Luiz Inácio! Uma batalha de Lulas. Extraooordináaaria batalha, companheiros e companheiras!

Foi também ali em Curitiba, mais leve hoje em dia, sem juiz parcial ou capa do Batman, foi ali que ouvi histórias maravilhosas sobre o patrimônio, a arquitetura e o urbanismo, até a Vera Holtz eu vi, divando, plena, num evento num cinema de rua no centro da cidade. Gabriel, Luciano e Vinícius me levaram ao boteco raiz. Felipe, o Príncipe, não foi, tinha um date. Sorte dele. O fato é que teve churrasco paranaense, farofa, cebola, cerveja gelada. Bar Palácio, garçons sisudos, tradição. Marcelo, sempre simpático e discreto, fez da minha semana um alento em tempos sempre sombrios. Tive por alguns dias o sono dos justos.

Todo carnaval tem seu fim. Avenida, check in, avião, sono, conexão. Congonhas, uber, 23 de maio, ligação leste-oeste, minhocão, casa. Porta, chaves, entrada. Mala na sala. Quando entro na cozinha, o retorno ao caos! O armário, supostamente (bem) pregado na parede, estava estatelado no chão! Louças quebradas, canecas de quase todas as viagens que eu fiz nos últimos 20 anos, de um afeto profundo, espatifadas na chóooon. Minha vida em pedaços…como é que diz a canção? “Eu perco a chave de casa, eu perco o freio, estou em milhares de cacos, eu estou ao meio…”

Ano difícil, costumam dizer, mas devo confessar (pra variar) que esse tem sido especialmente implicante comigo. Mais cindido que Raskólnikov, tenho tido muitas ideias Brás Cubas e vou apanhando uns resfriados por aqui e por ali, morrendo um pouquinho, renascendo um outro tanto. É aquilo que todo mundo sabe. Só sobrevive, só renasce quem tem amigos. Todo mundo sabe, são poucos, até raros. Um deles acabou de me ajudar a juntar os caquinhos aqui. Foi-se embora de uber, o taurino preguiçoso. Nós somos os amigos e amigas que temos. Dizem que também é bom amar, pra espantar o fascismo, é bom abraçar, beijar. E já que estou confessando tudo por aqui, para esse seleto grupo que nos lê, devo dizer: como é bom se apaixonar, não é?! Beijar! Beijar na boca até delirar! Amar! Quem sabe assim, amando e fazendo a paz, plantando e semeando o amor que nos move nessa vida, quem sabe assim a gente pare de fazer desse mundo um lugar invariavelmente cheio de guerras, quem sabe a gente cante e alegre a cidade, o mundo todo, num canto de paz.

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