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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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E se fosse o Lula?…

Onde está a denúncia sobre qualquer desses crimes? Por que Bolsonaro não é réu?
26/07/2024 | 12h45

Para combinar com a temporada de inverno, a cena política brasileira tem estado bastante fria nos últimos dias. Parlamentares de Brasília estão em recesso, já tratando das eleições municipais, e a turma do Judiciário também goza as muito bem remuneradas férias.

Sobrou apenas o Executivo para ficar no alvo do noticiário, alvejado pelas eternas cobranças de aperto fiscal e outros refrões do liberalismo econômico repetidos à exaustão pela grande imprensa (cuja maior parte, como se sabe, pertence a grandes grupos financeiros interessados no tal “aperto”).

Fora as revelações a conta-gotas das investigações da Polícia Federal, nenhuma grande novidade.

Essa maré de calmaria contraria a expectativa do colunista.

Há dez dias, depois que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, levantou o sigilo do áudio da fatídica reunião feita no Palácio do Planalto para discutir formas de livrar o filho do presidente da República das garras da Justiça, surgiu uma migalha de esperança de que finalmente começaria o rito para a punição de Jair Bolsonaro e seus capangas.

Afinal, na gravação estava Bolsonaro, de viva voz, articulando com o chefe da Abin e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional formas de usar sua influência na Receita, no Serpro e Dataprev para livrar Flávio Bolsonaro da punição pela rachadinha que manteve durante anos na Assembleia Legislativa do RJ. Tudo sob a orientação de duas advogadas de defesa do filho presidencial.

Não bastassem todos os outros indícios (que incluem acusação do ex-ministro Sergio Moro sobre aparelhamento do Estado pelo bolsonarismo), aquele áudio era a prova irrefutável de que o ex-presidente cometeu um crime grave: colocou o governo a serviço de seus interesses pessoais — e ilegais.

A essa altura, mais de uma semana após a gravação ser tornada pública, imaginei ingenuamente, Bolsonaro já teria contra si a denúncia do MP ou até já seria réu nesse caso.

Afinal, o que falta mais?

O tempo da Justiça, porém, parece correr na contramão do interesse da democracia. Até agora, Bolsonaro continua por aí, livre, leve e solto, fazendo microcomícios flopados em várias regiões do Brasil, sem que o Judiciário tenha, de fato, apertado seu calo. Diz a seus fanáticos mentiras cada vez mais cabeludas, como a de ontem, que Lula e o STF querem tornar mais fácil o seu assassinato.

Essa história da reunião no Planalto para usar o governo brasileiro na blindagem de seu filho é apenas uma entre várias tramas criminosas que o capitão protagonizou nas barbas de todo o Brasil.

Articulou e incentivou o golpe de Estado que foi tentado no 8/1; instituiu um sistema de arapongagem para espionar clandestinamente adversários e até aliados; pegou joias que eram da União e vendeu em proveito próprio, como se fossem uma muamba qualquer; mandou falsificar certificados de vacina… e por aí vai.

O maior dos crimes cometidos por Bolsonaro tem abundância de provas. Foi o negacionismo governamental que ele transformou em marca do seu mandato, para desespero das centenas de milhares de pessoas que sofreram com a pandemia de Covid-19.

O ex-presidente colaborou com o coronavírus ao fazer campanha de descrédito contra a vacina, ao defender o uso de remédios ineficazes contra a Covid, ao enviar kit cloroquina para os hospitais de Manaus, ao tirar máscaras preventivas de crianças que iam ao seu comício, ao desestimular o distanciamento social, ao atacar epidemiologistas. Alguém de bom senso duvida disso?

Segundo os especialistas, das 700 mil mortes na pandemia, ao menos 400 mil (!) teriam sido evitadas se o governo brasileiro fizesse o básico no campo da prevenção. Ao contrário, Bolsonaro agiu como adversário dos especialistas.

Onde está a denúncia sobre qualquer desses crimes? Por que Bolsonaro não é réu?

Aos que repetem a lenga-lenga de que a Justiça tem seu tempo, basta que respondam a uma pergunta: e se fosse Lula que tivesse cometido ao menos metade desses crimes?

Alguém acredita que o petista ainda estaria impune? É só recorrer à história recente do Brasil para responder: certamente Lula já estaria preso.

Mas Bolsonaro continua passeando por aí e espalhando o golpismo pelo país, com mentiras e ataques baixos aos adversários que ganham espaços nos jornais e sites sem contextualização à altura para suas barbaridades.

Há até comentaristas que acreditam na existência de um “bolsonarismo moderado”. É o sofisma perfeito para tornar palatável o candidato da extrema direita e da Faria Lima para a próxima eleição presidencial: Tarcísio de Freitas, o bolsonarista com modos.

Não vale para Bolsonaro a regra segundo a qual todos são inocentes até prova em contrário. As provas estão aí, mas ele e seus auxiliares mais graúdos (alguns generais) continuam tendo vida de inocentes.

Nesse caso, o Judiciário atua na velocidade inversa ao que se verificou na Lava Jato, contra Lula. Como se diz no futebol, corre para não chegar.

Ninguém quer de volta os ritos sumários de Sergio Moro e sua turma. Mas entre o justiçamento e a impunidade há o meio-termo.

Que os integrantes da Justiça do Brasil acertem seus relógios com o tempo da democracia e realmente façam justiça — com “J” minúsculo.

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