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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

E se uma empresa pública de energia deixasse SP quatro dias às escuras?

Falhas das empresas privadas sempre são minimizadas ou ignoradas.
06/11/2023 | 14h20

A frase do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), saiu naturalmente, como se ele estivesse fazendo uma afirmação banal. “A Enel nos deu um prazo de que, até terça-feira, consegue reestabelecer a energia da cidade”, disse, em entrevista à CNN Brasil, no sábado (4).

Desde o dia anterior, os paulistanos estavam sem energia, em consequência do temporal que se abateu sobre a cidade. Apesar disso, como se ignorasse a proporção gigantesca dos transtornos, prejuízos e dramas que a falta de luz pode causar, Nunes oficializou em sua entrevista o inacreditável prazo que a concessionária estabeleceu para que São Paulo volte à normalidade: quatro dias.

Imagine, leitor, se o apagão tivesse ocorrido nos tempos em que a distribuição de energia era feita por uma empresa pública e o prefeito fizesse afirmação semelhante. Alguma dúvida de que uma enorme gritaria já teria tomado conta dos noticiários e colunas de economia para baixar o sarrafo nos serviços prestados pelo estado e louvar as pretensas maravilhas da privatização?

Usar de forma oportunista ocorrências desse tipo sempre foi uma das estratégias mais recorrentes dos privatistas. As falhas das empresas privadas, ao contrário, sempre são minimizadas ou ignoradas.

Não se trata de desconhecer que as mudanças climáticas produzem efeitos cada vez mais pesados para a vida cotidiana — o temporal de sexta-feira realmente teve intensidade inusitada. Mas a empresa de energia, seja ela pública ou privada, tem que se preparar para essa situação, já que o problema vai se agravar ainda mais.

Trata-se, isso sim, de reconhecer que há setores estratégicos para uma cidade, um estado, um país, que devem continuar sob o controle do governo, por conta da importância que têm para a vida da população.

Um passeio pelas redes sociais pode dar a extensão dos danos causados pela falta de luz. Os prejuízos vão do desligamento de aparelhos médicos a perda de alimentos, passando pela falta de fontes para recarregar o celular, esse aparelhinho imprescindível ao cotidiano, seja para se comunicar com familiares e amigos, seja para trabalhar.

Não é possível que o prefeito e o governador — este tão empenhado em privatizar empresas públicas — encarem esse recorde de escuridão com tamanha passividade. A imprensa, tão crítica do serviço público, também deveria ser mais atuante no caso.

Que haja cobrança de responsabilidades e, se for o caso, punição à concessionária.

Esse episódio deve ficar marcado na memória para ser citado ao próximo tecnocrata que levantar a voz para dizer que a privatização torna as empresas infalíveis.

Como se vê, na distribuição de energia, assim como na distribuição de água e na operação de trens e metrô, a privatização pode até agravar os problemas, com custo muitas vezes maiores para o contribuinte.

Paradoxalmente, o apagão de São Paulo pode levar alguma luz a esse debate.

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