Isabella Weber, economista de origem alemã e professora associada da Universidade de Massachusetts Amherst, disse em entrevista ao blog da jornalista Míriam Leitão, em O Globo, que depender apenas da alta da taxa de juros – no caso do Brasil, a Selic – para controlar a inflação pode ter um custo social elevado e não surtir o efeito esperado.
Para controlar os preços, ela defende medidas mais criativas, como o controle de preços estratégicos e a criação estoques reguladores de itens essenciais.
“Embora países como o Brasil sejam forçados a aumentar as taxas de juros [quando os EUA sobem os juros], não alivia o sofrimento das pessoas que enfrentam os altos custos de itens essenciais”, disse ao blog. “Além dos recentes choques globais, choques climáticos locais, como as horrendas enchentes no sul do Brasil, podem piorar a situação, por exemplo, elevando os preços de alimentos básicos”, completou.
Autora do livro “Como a China Escapou da Terapia de Choque: o Debate da Reforma de Mercado”, ela se encontrou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no ano passado, quando veio ao Brasil para lançar o livro.
No mês passado, ela esteve no Rio de Janeiro para participar do seminário “Caminhos para um Desenvolvimento Verde e Equitativo”, evento paralelo ao G20 (fórum internacional que reúne 19 economias, mais União Africana e União Europeia).
Em seu livro, ela aborda o problema da hiperinflação na China na década de 1940 e o quanto esse “é um problema difícil de resolver, como mostra a história brasileira”.
Segundo Isabella, o “combate à hiperinflação por parte dos comunistas através da participação do mercado estatal em bens essenciais foi crucial para a revolução”. “É muito mais fácil combater a inflação antes que ela saia do controle”, enfatizou. “É por isso que é muito importante pensar em medidas criativas que protejam as pessoas contra choques de custos e detenham a inflação antes que esta se espalhe. Essas medidas têm sempre de ser adaptadas ao contexto específico”, pontuou.
No caso brasileiro, ela reconhece que o controle de inflação por parte de países emergentes é mais desafiador, pois essas nações são muito influenciadas pelo que acontece nos Estados Unidos.
“(…)Se o Fed [Banco Central dos EUA] aumenta as taxas de juros, o Brasil precisa fazer o mesmo. Caso contrário, haveria uma depreciação da taxa de câmbio, fuga de capitais e um choque nos preços de importação. Acredito que foi um erro o Fed ter elevado as taxas de juros de forma tão agressiva em resposta aos choques de oferta no pós-Covid-19 e à guerra na Ucrânia. Os aumentos das taxas nos EUA são uma ferramenta para conter a demanda, mas, em grande parte, essa inflação não foi induzida pela demanda”, opinou.
Como dizem alguns economistas, as taxas de juros mais elevadas nos Estados Unidos encareceram a vida dos estadunidenses, que é muito financiada pela tomada de empréstimos bancários.
“As taxas mais altas tornaram as hipotecas mais caras em um momento em que já havia uma crise de acessibilidade habitacional. Os custos de moradia se tornaram um dos principais motores da inflação [nos EUA]. Juros elevados também tornam os investimentos de baixo carbono, que exigem altos custos iniciais, mais caros. Além disso, aprofundaram as crises de dívida em várias economias do Sul Global, o que é um dano colateral raramente mencionado no debate nos EUA”, enfatizou.
Isabella Weber diz que México pode ensinar lições ao Brasil
Na avaliação a economista, o México pode ensinar lições ao Brasil no quesito controle de preços. “A estratégia mexicana no enfrentamento da crise do custo de vida traz algumas lições interessantes que poderiam ser aplicadas ao Brasil. Eles definiram uma cesta de bens essenciais, principalmente alimentos, e negociaram um acordo com os produtores e varejistas desses produtos para garantir preços acessíveis. O México fez isso durante o recente episódio inflacionário com grande sucesso”, disse.
Outra lição, segundo ela, pode ser aprendida com a China. “Uma das lições da China é que superávits comerciais, reservas de moeda estrangeira e a gestão da conta de capital podem ser importantes para reduzir a sensibilidade às mudanças nas taxas de juros e outras dinâmicas do mercado financeiro nos EUA e na UE [União Europeia]”, observou.
Sobre o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Isabella disse que a política econômica que o republicano pretende implementar na presidência dos EUA pode provocar um fenômeno que chama “inflação dos vendedores”.
“Um risco claro é que as tarifas generalizadas propostas por Trump atuem como um choque de custos, semelhante ao que vimos após a Covid-19 e a guerra na Ucrânia. Essas tarifas aumentariam os custos de insumos importados e poderiam desencorajar exportadores estrangeiros de vender aos EUA, reduzindo a oferta disponível. Isso poderia desencadear outro ciclo do que chamo de ‘inflação dos vendedores'”, afirmou.
Para a economista, “a eleição de Trump é um grande golpe para qualquer causa progressista, incluindo as importantes iniciativas lideradas pelo Brasil no G20”.
Em âmbito global, ela defendeu uma abordagem parecida com a Nova Ordem Econômica Internacional, da década de 1970, como forma de enfrentar os desafios da atualidade.
Isabella defendeu que é preciso criar “um sistema econômico global baseado em princípios de ‘ganha-ganha’, em vez de uma competição destrutiva”, com estoques reguladores para estabilizar os preços de commodities essenciais. “Apesar de o esforço ter fracassado naquela época, ele é mais necessário do que nunca” agora.
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