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Parte da elite econômica e da grande imprensa tem criticado o posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação à autonomia do Banco Central e à política monetária dirigida por Roberto Campos Neto, presidente da instituição. A cada gatilho de Lula o mercado estremece. E um estudo recente mostra o porquê. A relação mercado financeiro e direção do Banco Central C é velha conhecida, e o estudo, por meio de um modelo matemático, dá nome às coisas. Em suma, esclarece que a autonomia do Banco Central é de fachada, ao menos em relação ao mercado financeiro.

A primeira a cantar essa bola na semana foi a economista Monica de Bolle, pesquisadora do PIIE (Instituto Peterson de Economia Internacional). Em entrevista ao portal UOL, ela analisou a entrevista concedida por Campos Neto ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira passada.

Na opinião da economista, Campos Neto justifica a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano pela quarta vez seguida, com base em uma visão do mercado financeiro. “É uma pessoa que tem seus méritos, e sem desmerecê-lo de forma alguma, ele é uma pessoa que trabalhou a vida inteira em tesouraria de banco. A visão de mundo, de país, é de um tesoureiro de banco”, disse.

A própria presença dele no Roda Viva, segundo ela, também estaria vinculada ao trânsito dele no mercado financeiro. “Do momento em que se apresentou numa entrevista com objetivos politicos, como fez no Roda Viva, ele não foi lá representando a institucionalidade Banco Central, foi representando seus interesses próprios”, disse.

Sobre Lula questionar a condução da política monetária, ela foi incisiva: “O presidente da República tem o direito de questionar quem quer que seja, ele foi eleito para isso. Faz mais sentido ainda se o que ele tiver questionando for a falta de percepção de institucionalidade que pode estar presente no Banco Central.”

As falas de Monica são endossadas por um grupo de pesquisadores dedicados ao estudo das elites do Brasil contemporâneo, que investigou a relação da cúpula do Banco Central com o mercado. Foram avaliados quase 90 diretores que passaram pela instituição entre o governo de José Sarney e o segundo mandato de Dilma Rousseff. A conclusão do estudo foi que os diretores são muito pouco independentes do mercado financeiro.

O estudo está compilado na obra “Os mandarins da economia – Presidentes e diretores do Banco Central do Brasil” (Almedina, 2022), que tem entre seus organizadores o cientista político Adriano Codato, membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais.

Desde a origem da instituição, autonomia do Banco Central é posta em xeque, pois a maioria dos dirigentes vem do mercado financeiro

Entrevistado pelo portal The Intercept, Codato disse que desde 1965, data de origem do Banco Central, a maioria dos diretores vem do mercado financeiro para o governo e, em seguida, fazem o caminho contrário. Segundo ele, há “uma formação econômica muito mais ortodoxa do que a dos ocupantes de diretorias com outras funções”.

Um dos resultados do estudo é que há prevalência absoluta de economistas de viés neoliberal em diretorias que atuam diretamente na definição da política monetária e decidem, na prática, aspectos como a taxa básica de juros, alvo principal das críticas de Lula.

A maioria desses profissionais saíram de escolas de economia fundamentalmente ortodoxas, como as da FGV (Fundação Getúlio Vargas) ou da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). “Quando o Banco Central define a taxa básica de juros da economia, ele está também definindo a lucratividade das empresas que compram e vendem dinheiro”, afirmou Codato. “As pessoas que dirigem o Banco Central são formadas a partir de valores específicos que estão muito de acordo com os do mundo financeiro”, completou.

A lei que garante a autonomia do Banco Central foi aprovada em outubro de 2021, no governo de Jair Bolsonaro, portanto. A autonomia era uma demanda do mercado financeira e, não à toa, foi definida sob a batuta do ultraliberal Paulo Guedes, ministro da Economia de Bolsonaro. O mandato de Campos Neto, que tem fortes ligações com o governo Bolsonaro, vai até 2024.

Para o pesquisador entrevistado pelo The Intercept, a lei aprovada cuida da independência política do presidente do Banco Central ao governo eleito. Tanto que os mandatos não coincidem, e ainda que se possa questionar a veracidade disso em se tratando de Campos Neto, flagrado recentemente em um grupo de WhatsApp com membros do governo anterior e indo votar paramentado com a camisa da CBF (marca do bolsonarismo) nas eleições do ano passado.

“A gente pode supor que essas pessoas deveriam ser autônomas em relação ao mercado financeiro, que cuidam de regular, mas não é exatamente o que ocorre. Grosso modo, a gente pode dividir as diretorias do BC em dois grandes blocos: as encarregadas da política econômica e as que cuidam de aspectos administrativos. E o que a gente mensurou, avaliando quase 90 diretores que passaram pelo banco entre o governo de José Sarney e o segundo mandato de Dilma Rousseff, foi o seguinte: nas áreas diretamente encarregadas da política econômica – por exemplo, a definição da taxa de juros –, os diretores são muito pouco independentes do mercado financeiro. Como regra geral, eles vêm do mercado financeiro para o governo, e em seguida fazem o caminho contrário”, disse.

Para essa análise, foram combinadas três variáveis: formação acadêmica, origem profissional e se houve passagem no mercado financeiro. A partir desses elementos, eles descobriram que uma pessoa com formação ortodoxa (FGV ou PUC-Rio), ou seja, neoliberal, tem 11 vezes mais chance de chegar a uma diretoria com poder sobre a política econômica.

Pesquisa chega a modelo matemático para medir autonomia de diretores

O grupo de pesquisadores elaborou um modelo matemático com índice de variação de 0 e 1 para medir a autonomia dos dirigentes do BC em relação ao mercado financeiro. “A partir daí, classificamos os diretores em três níveis: baixa autonomia em relação ao mercado, de 0 até 0,33; média autonomia, de 0,34 a 0,66; e alta autonomia, de 0,67 até 1”, disse Codato ao The Intercept.

Foi montada, então, uma linha cronológica dos presidentes que passaram ao longo dos governos analisados. “Se a gente faz uma periodização por governos, temos o ponto mais baixo dessa curva no segundo governo de Fernando Henrique. Já no governo Dilma, chegou-se a 0,73, na média de todos os diretores. Então, temos um vale em FHC 2 e um pico em Dilma 1”, explicou.

Em relação aos presidentes avaliados dentro dos parâmetros estabelecidos, concluiu-se que o menos autônomo em relação ao mercado financeiro foi Armínio Fraga, que comandou o BC durante quase todo o segundo mandato de FHC, entre 1999 e 2003. Ele obteve índice 0,24.

Na outra ponta, o mais autônomo foi Paulo César Ximenes, que presidiu a instituição por menos de seis meses, em 1993, durante o governo de Itamar Franco. Ele obteve pontuação 0,74.

Foi seguido de perto pelo Alexandre Tombini, que comandou o BC ao longo de todo o governo de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2016, com 0,72. A propósito, Tombini era funcionário de carreira do BC, ou seja, um dos poucos que não tinha ligação com o mercado.

“A falta de independência em relação ao mercado financeiro é uma discussão importante. Porque, quando o Banco Central define a taxa básica de juros da economia, ele está também definindo a lucratividade das empresas que compram e vendem dinheiro. Ou seja, o que o BC decide afeta diretamente o interesse dessas empresas. Isso não é uma questão de corrupção, mas algo que chamamos, no livro, de uma espécie de captura cultural. As pessoas que dirigem o BC são formadas a partir de valores específicos que estão muito de acordo com os do mundo financeiro”, frisou.

Redação ICL Economia
Com informações do The Intercept e UOL

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