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Bolsonaro pode responder por crime de peculato e infração tributária por caso das joias das arábias

Documentos mostram que comitiva trouxe duas caixas de presentes. Uma delas não passou pelo Fisco e ficou com o ex-presidente, que disse não ter praticado "ilegalidade". Receita fala em violação
08/03/2023 | 14h32

O caso das joias dadas de presente pelo governo ditatorial da Arábia Saudita a Michelle e Jair Bolsonaro, em outubro de 2021, pode fazer com que o ex-presidente responda criminalmente e por infrações tributárias. Em vez de ter incorporado o presente, no valor de R$ 16,5 milhões, ao acervo do Estado brasileiro, o ex-mandatário tentou incorporá-lo ao seu acervo pessoal. Aliás, documentos revelaram que foram entregues duas caixas de presentes e uma delas ficou, sim, em poder do ex-mandatário.

O episódio tem sido investigado em várias frentes, como pela Polícia Federal, que abriu um inquérito. Além disso, a Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal em São Paulo deve convocar o casal, mais o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que foi quem trouxe o presente das arábias, para depoimento.

Especialistas consultados pelo jornal O Globo disseram que Bolsonaro pode ser processado e, posteriormente, condenado como consequência do caso. Os crimes sob os quais o ex-presidente, que está nos EUA desde o fim do ano passado, quando fugiu do país para não passar a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode ser enquadrado por peculato, prática caracterizada pela apropriação de bem público, caso a apuração demonstre que o ele se apossou das joias ilegalmente.

Ainda segundo os especialistas, mesmo que em um eventual processo judicial prevaleça a interpretação de que se tratavam de itens pessoais, Bolsonaro poderá responder por descaminho, pois os impostos das joias não foram pagos.

As joias foram trazidas na bagagem de um assessor de Bento Albuquerque, que representou Bolsonaro na viagem. O assessor tentou passar pela fila da alfândega com as joias destinada a quem entra no país sem bens a declarar, em uma tentativa ilegal de burlar as regras do Fisco, com uma caixa contendo um colar, anel, relógio e par de brincos de diamantes em sua mochila, que seriam presentes à ex-primeira-dama. Pela lei, o assessor deveria ter declarado as joias e ter pagado uma taxa de 50% do valor (R$ 8,25 milhões). Esse assessor também será chamado para depor à PF.

Por caso das joias, Bolsonaro também pode ter problemas com o Fisco por interposição fraudulenta

Os problemas com a Receita Federal que o ex-presidente pode ter são enquadrados como interposição fraudulenta, ou seja, irregularidade verificada quando um cidadão não declara um bem que deveria ser declarado. E este bem, por sua vez, é encaminhado para outra pessoa. Nesse caso, o item é confiscado — ou é aplicada uma multa substitutiva, equivalente a 100% do valor das mercadorias. O bem apreendido pode ser leiloado, vendido ou incorporado ao patrimônio público.

Consta na legislação brasileira que objetos recebidos em cerimônias oficiais, em forma de presentes dados por chefes de Estado e de governo, são considerados patrimônio da União. Documentos bibliográficos e museológicos recebidos nas mesmas ocasiões também se enquadram como patrimônio público. Albuquerque foi à Arábia Saudita como representante do governo brasileiro, portanto, era dessa forma que deveria proceder.

Por exemplo, em 2003, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, ao final do primeiro ano do primeiro mandato do presidente Lula, esteve em viagem oficial aos Emirados Árabes Unidos, onde foi presenteada com joias caríssimas por Fátima, esposa do xeique Zayed bin Sultan Al Nahyan, o fundador dos Emirados Árabes.

Com absoluta consciência de que não ficaria com aquela fortuna em ouro, diamantes e pedras preciosas, a então primeira-dama não recusou o “presente”, já que o ato poderia ser considerado um insulto. Ela recolheu os objetos, repassou ao protocolo de Estado que acompanhava o casal presidencial brasileiro e imediatamente explicou aos assessores as razões para não tê-lo recusado.

Dias depois, o Palácio do Planalto anunciou o destino das joias, que foram para o acervo do Estado, onde o presente milionário dado pela governo da Arábia Saudita deveria estar.

Documentos mostram que, na verdade, duas caixas de presentes vieram com comitiva

Documentos mostram que duas caixas foram trazidas fechadas da Árabia Saudita. Uma estava com o assessor do Ministério de Minas e Energia e outra com Bento Albuquerque. A primeira foi retida pela Receita. O Fisco só soube desse segundo pacote agora, após as revelações do caso. Na época, era obrigatória a declaração à Receita de qualquer bem que entrasse no país cujo valor fosse superior a US$ 500 — hoje, são US$ 1 mil.

A segunda caixa ficou sob a posse de Bento Albuquerque e entregue a Bolsonaro em outubro de 2022, conforme mostram documentos. Um recibo mostra que uma caixa de itens da marca de luxo suíça Chopard foi entregue para compor o acervo pessoal do Palácio do Planalto, endereçado ao então presidente Bolsonaro. No entanto, os itens não fazem parte do conjunto de joias apreendido pela Receita. O recibo está em nome de Antônio Carlos Ramos de Barros Mello, assessor especial do Ministério de Minas e Energia.

Em nota divulgada na segunda-feira passada, a Receita Federal informou que a entrada de um segundo pacote pode configurar em tese violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos.

Esse segundo pacote teria sido entregue a Jair Bolsonaro um ano depois da viagem, como comprova um documento oficial.  Mas à reportagem da CNN no último sábado, o ex-presidente disse: “Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade”.

Nesse segundo pacote estavam objetos da marca Chopard, como um masbaha rose gold (objeto similar a um rosário); um relógio com pulseira em couro; um par de abotoaduras; uma caneta rose gold e um anel. Apenas o relógio está listado por R$ 223 mil.

Redação ICL Economia
Com informações de O Globo e da CNN

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