Parecia impossível, mas está prestes a virar realidade. Depois de ao menos quatro décadas de discussão, o Brasil caminha para ter um novo sistema tributário. Ontem (17), quase no apagar das luzes do ano, a Câmara dos Deputados aprovou o primeiro texto da regulamentação da reforma tributária do consumo. A proposta segue agora para sanção do presidente Lula (PT), que pode vetar alguns trechos.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24, do Poder Executivo, contém algumas alterações feitas pelo relator, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que retirou algumas mudanças feitas pelo Senado. “A reforma tributária está reduzindo a carga em 0,7% para todos os brasileiros. O texto do Senado aumenta a alíquota para toda a sociedade”, afirmou.
Porém, o parlamentar manteve a maior parte das mudanças feitas pelos senadores. “Todas as mudanças que não acatamos caminham no sentido de manter a alíquota geral de referência em 26,5%. Optamos, por exemplo, por restabelecer a incidência do Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas, que tem um impacto de 0,07% na alíquota geral”, disse.
O projeto regulamenta diversos aspectos da cobrança do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IS (Imposto Seletivo), que substituirão o PIS, a Cofins, o ICMS, o ISS e parcialmente o IPI.
Apesar das mudanças incluídas por meio de emendas de senadores e deputados, a proposta manteve a espinha dorsal do projeto encaminhado pelo Executivo. A ideia geral da reforma é simplificar o sistema para empresas e consumidores, uma vez que mais de 5.000 legislações foram unificadas.
De modo geral, centenas de alíquotas serão substituídas por, basicamente, cinco (cheia, zero e reduzidas em 60%, 40% ou 30%). Consumidores e empresas saberão a carga tributária de cada produto, algo que ninguém sabe hoje.
Cabe agora ao presidente a sanção e os eventuais vetos à reforma tributária dentro do prazo de 15 dias úteis. O veto à proposta pode ser total ou em apenas artigos específicos do texto validado pelo Legislativo.
Veja como ficou a proposta de regulamentação da reforma tributária
Lopes definiu 34 rejeições de trechos propostas pelos senadores. Houve ainda o restabelecimento dos trechos aprovados anteriormente pela Câmara.
Entre os destaques alterados, aparecem a manutenção do Imposto Seletivo para bebidas açucaradas, o retorno da lista de medicamentos que contarão com tributação menor e a volta da substituição tributária pela qual uma empresa paga o imposto em nome de outra.
A versão aprovada apresentou mudanças como:
- Devolução de 100% da CBS e de 20% do IBS nas faturas de energia, água, gás e telecomunicações para pessoas de baixa renda.
- Alíquota máxima de 0,25% para os minerais — contra o máximo de 1% estipulado pela emenda constitucional.
- Redução de 30% nos tributos para planos de saúde de animais domésticos.
- Todos os medicamentos não listados em alíquota zero contarão com redução de 60% da alíquota geral.
- Turista estrangeiro contará com devolução desses tributos em produtos comprados no Brasil e embarcados na bagagem.
- Manutenção da alíquota de 8,5% para Sociedades Anônimas de Futebol (SAF).
Impostos
Como vai ser a junção de impostos: o IBS será contribuição compartilhada por estados e municípios. O novo imposto assumirá a função do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e do ISS (Imposto sobre Serviços). Por sua vez, a CBS vai substituir o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), cobrança de natureza federal.
Quando vai valer: o CBS e o IBS passarão a ser testados nacionalmente a partir de 2026. Na fase de testes, as empresas serão obrigadas a emitir na nota fiscal um valor destacado do que corresponderia a 0,9% de CBS sobre o produto vendido e 0,1% de IBS.
“Imposto do pecado”: em 2027, entra em vigor o Imposto Seletivo, também conhecido como “imposto do pecado”, que vai incidir sobre produtos que causam mal à saúde e ao meio ambiente. A etapa de transição será encerrada em 2033, quando o IBS e a CBS serão efetivamente implementados.
IVA (Imposto sobre Valor Agregado): mudanças resultam na criação do IVA. Com alíquota máxima ainda desconhecida, o tributo será o responsável pela unificação da CBS e do IBS no futuro e vai incidir sobre as operações de bens e serviços, taxados no destino. Caso a cobrança supere a trava definida pelos deputados, o governo será obrigado a definir uma forma de reduzir a carga tributária.
Cesta básica
A isenção total de alimentos essenciais vale para os itens da cesta básica, composta por arroz, feijão, carnes, farinha de mandioca, farinha de trigo, açúcar, macarrão e pão comum; mandioca, inhame, batata-doce e coco; café e óleo de babaçu; manteiga, margarina, leite fluido, leite em pó e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica. O Senado removeu o óleo de soja da lista.
Carnes, peixes, queijos e sal terão isenção tributária garantida Integram a relação carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras), peixes (exceto salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subproduto). Por sua vez, os queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino.
Já a cesta básica estendida reduz a 60% a tarifa sobre alimentos. A relação ganhou novos itens no Senado, com a inclusão de água mineral, fraldas, biscoitos e bolachas (sem recheio ou cobertura), castanhas brasileiras (como a do Pará e de caju) e a realocação do óleo de soja.
Quem ganha e quem perde
Entre os principais vitoriosos com a reforma tributária estão:
- O agronegócio, que emplacou as carnes na cesta básica.
- A bancada armamentista, que garantiu a desoneração das armas.
- A Zona Franca de Manaus, que ampliou benefícios.
- O setor imobiliário, que deve ser desonerado.
Por outro lado, o cashback (devolução de imposto) garante a desoneração das famílias mais pobres.
Além disso, haverá redução da sonegação e fraudes com a nova forma automática de arrecadação, o que também pode ajudar a aliviar a carga das empresas.
Ainda, serão extintos tributos que respondem por quase 90% das discussões tributárias no Judiciário.
Por fim, acaba também a guerra fiscal, que reduz a arrecadação, beneficia empresas selecionadas e gera ineficiências econômicas, como a chamada logística tributária. Estados e municípios terão de administrar juntos um dos novos impostos.
O principal benefício do novo sistema é a desoneração das atividades com o fim da cumulatividade, algo que penaliza hoje, especialmente, a indústria, os exportadores e os investimentos.
Entre os derrotados estão dois partidos de oposição (PL e Novo) que se colocaram contra a reforma até o final, com alguns parlamentares reclamando das exceções e outros pedindo mais benefícios.
*Com informações do blog “Quem imposto é esse”, da Folha de S. Paulo
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