Por Brasil de Fato
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu nesta quarta-feira (31) manter a taxa básica de juros da economia brasileira em 10,5% ao ano. A decisão contrariou pedidos de representantes de empresários, trabalhadores e de membros do governo.
Esta é a segunda vez seguida que o comitê do BC decide não mexer nos juros. Em junho, o Copom já havia interrompido uma sequência de sete cortes seguidos da Selic para mantê-la em 10,5% ao ano.
Em nota à imprensa, o Banco Central afirmou que o “ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza sobre os impactos e a extensão da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e sobre as dinâmicas de atividade e de inflação em diversos países”.
Até agosto de 2023, a Selic estava em 13,75%. De lá até maio, ela caiu paulatinamente até alcançar o patamar atual, que ainda é considerado alto — ou “contracionista” da atividade econômica, segundo o próprio BC.
Na terça-feira, um dia antes da decisão do BC, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), já havia dito que tal taxa de juros dificulta a geração de empregos no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em junho, também havia cobrado um corte da Selic.
No mesmo dia, centrais sindicais realizaram atos em 11 capitais sob o lema “menos juros, mais empregos”. Em São Paulo, o ato ocorreu na avenida Paulista, em frente ao BC.
O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes, também pediu juros menores para o bem da economia nacional. Gomes ainda criticou a postura política que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem adotado no comando do órgão.
“Ele optou pessoalmente por um posicionamento político. Se acabarem com a autonomia do Banco Central, o ‘mérito’ vai ser todo do Campos Neto”, disse Gomes, lembrando que o presidente do BC votou em 2022 vestindo uma camisa da seleção brasileira.
Campos Neto é o primeiro presidente do BC a gerir o órgão já sob a vigência da lei para a autonomia do órgão, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa lei estabelece mandatos para diretores do BC. Lula é o primeiro presidente que não pôde escolher o chefe do BC no início do seu governo.
O que é Selic?
A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.
Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.
Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.
A Selic também é uma taxa de referência para os títulos da dívida que o governo emite para financiar suas atividades. Isso significa que, quando ela sobe ou desce, isso também influencia no gasto com juros e até no valor total da dívida brasileira.
Contas públicas
Em junho, mês que o Copom interrompeu a queda da Selic, o setor público brasileiro gastou R$ 94,9 bilhões só com os serviços financeiros de sua dívida. O gasto é o maior já registrado em um mês desde junho de 2022. É também mais que o dobro do registrado em junho do ano passado (R$ 40,7 bilhões) e 27% maior do que o verificado em maio (R$ 74,4 bilhões).
Com o valor empregado para custear somente os juros mensais da dívida pública, o governo federal poderia pagar os R$ 1.412 de Benefício de Prestação Continuada (BPC) durante um ano a quase todos os 5,9 milhões de idosos beneficiários do programa.
O Orçamento previa um gasto de R$ 103,4 bilhões com o BPC neste ano. Neste mês, ele atualizou suas estimativas e elevou esse gasto para R$ 111,4 bilhões. Considerando isso, decidiu bloquear R$ 15 bilhões em despesas para conseguir cumprir com suas metas fiscais de 2024.
Enquanto o governo corta gastos, segundo o BC, uma queda de 1 ponto percentual na Selic mantida por um ano reduziria a dívida líquida do setor público em R$ 51 bilhões. Uma queda de 0,5 ponto teria um efeito proporcional, reduzindo a dívida em cerca de R$ 25 bilhões.
Também em junho, o gasto acumulado de 12 meses do governo com juros chegou a R$ 835 bilhões. Isso é o maior valor já registrado pelo BC desde 2002, desconsiderada a correção monetária. Na comparação com os 12 meses anteriores, houve um crescimento de 30%.
Edu Moreira denunciou manipulação da taxa de juros
Após denúncias feitas por Eduardo Moreira tanto no portal quanto no programa ICL Notícias sobre a possibilidade de manipulação da taxa Selic pelo Relatório Focus, o site Brasil de Fato solicitou ao Banco Central (BC) acesso às previsões dos bancos que baseiam o levantamento. Mesmo feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), o pedido foi negado pelo BC. O ICL fez solicitação semelhante e ainda não teve resposta.
No dia 24 de maio, no ICL Notícias — 1ª Edição, Eduardo chamou atenção para o problema. Um dos componentes usados para definir a taxa de juros do Comitê de Política Monetária (Copom) é a expectativa do mercado em relação à inflação. Em casos de expectativa de inflação alta, a prática mais comum é não baixar ou até subir os juros. E vice-versa.
Essa expectativa de mercado é medida por um levantamento que se chama Relatório Focus, ou Boletim Focus, feito por questionário enviado aos bancos e agentes financeiros para que respondam qual a previsão do mercado. Os participantes ficam no anonimato, só Banco Central sabe quem respondeu e qual resposta deu.
Usando esse mecanismo, o Copom justificou a decisão de manter a taxa básica de juros em 10,5% ao ano tomada na última quarta-feira (19). A informação consta da ata da última reunião do comitê, divulgada nesta terça-feira (25).
Segundo o texto, membros do comitê entenderam que a taxa Selic não deveria ser reduzida porque as expectativas de inflação dos agentes econômicos do país já estariam apontando para uma tendência de aumento de preços. Neste contexto, manter os juros num patamar elevado ajudaria a conter uma eventual alta da inflação.
“A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, diz o órgão, justificando sua decisão.
De acordo com o próprio Copom, as expectativas de inflação consideradas para a decisão são medidas por meio do Boletim Focus — justamente o instrumento denunciado por Eduardo Moreira como suscetível de manipulação e alvo de representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU), que pediu ao tribunal a apuração da influência de bancos na Selic.
BC sonega informação
Após a divulgação das suspeitas sobre o Focus, o Brasil de Fato questionou o BC sobre o assunto e solicitou uma verificação sobre que banco (ou bancos) teria informado uma previsão de inflação tão alta. Como informa o jornalista Vinicius Konchinski, o BC não comentou e nem repassou qualquer informação.
O BdF, então, protocolou um pedido ao BC baseado na LAI solicitando acesso à base completa de previsões enviadas por bancos que basearam todas as edições do Boletim Focus em 2024. O órgão negou acesso aos dados argumentando que eles são “informação passível de gerar vantagem competitiva a outros agentes econômicos”.
Segundo o BC, dados como esses não podem ser divulgados. Isso, inclusive, está previsto no decreto que regulamentou a LAI (Decreto 7.724, de 2012).
O BdF recorreu da decisão questionando como as previsões dos bancos poderiam “gerar vantagem competitiva”. O BC argumentou que os dados são produzidos por profissionais, com apoio de estudos e pesquisas desenvolvidos nessas instituições. “Dar publicidade a esses dados pode ter implicações diversas, que podem resultar em vantagens/desvantagens competitivas para as instituições participantes ou outras, concorrentes. Esses dados constituem propriedade intelectual, que possibilita a quem a detém auferir eventuais benefícios, diretos ou indiretos.”
O BC, aliás, divulga periodicamente um ranking dos cinco bancos que mais acertaram previsões enviadas para o Focus. O BdF pediu acesso ao ranking completo, considerando que o banco (ou bancos) que exagerou propositalmente em sua previsão poderia aparecer nas últimas colocações.
O BC negou acesso. “O ranking Top 5, tal como foi concebido, pressupõe a divulgação das instituições que obtiveram melhores resultados com as suas projeções. Os participantes estão cientes e de acordo e não há, portanto, quebra de confidencialidade quando o BC faz a divulgação”, argumentou. “A divulgação dos rankings completos traria impactos bastante diferentes. Esse tipo de exposição não foi previsto pelos participantes, que não autorizaram a divulgação de seu resultado nessas condições.”
Críticas
Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o BC não poderia impor sigilo sobre as informações do Focus. “Os dados são usados para basear uma política pública, a política monetária. Não há motivo para que eles não sejam públicos.”
O economista ainda ressaltou que, ao mantê-los sob sigilo, o BC não só dificulta qualquer apuração sobre eventuais manipulações e fraudes como as facilita. “A proteção dos dados sobre o boletim acaba avalizando a possibilidade de fraude.”
Roncaglia lembrou que a eventual manipulação do Boletim Focus não seria um caso isolado. Em 2016, a Justiça de Nova Iorque condenou executivos de grandes bancos por manipulação da chamada taxa Libor, usada para remunerar investimentos. Por conta da fraude constatada, a taxa acabou sendo extinta.
Procurado para comentar o fato de o Copom usar informações sob suspeita de manipulação e sendo investigadas pelo MP-TCU para decidir a Selic, o Banco Central não se pronunciou. Também não comentou o que tem feito para minimizar a possibilidade de fraude nas informações que baseiam o Boletim Focus.
SAIBA MAIS:
Escândalo: Edu Moreira denuncia manipulação no boletim usado para definir taxa de juros
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