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Economista avalia que Copom se protege pelo ‘estatuto da autonomia’ para cometer ‘abuso de poder’

Comentarista de economia do ICL, André Roncaglia diz que a última ata do Copom "traz contradições, falácias e ameaças veladas ao governo, mostrando que o BC age politicamente"
31/03/2023 | 13h19

A ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) tem o tom mais político em relação a todas as anteriores, demonstrando que a autoridade monetária está lançando mão de sua autonomia para tentar interferir na condução da política econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas, como já disse um ex-diretor do Banco Central, autonomia não é independência, e o BC deve explicações à sociedade sobre o porquê de manter a taxa básica de juros (Selic) no patamar de 13,75% ao ano.

Essa é a linha da reflexão usada pelo economista e comentarista do ICL Notícias André Roncaglia, em artigo publicado ontem (30) na Folha de S.Paulo. Segundo Roncaglia, “protegidos pelo estatuto da autonomia operacional, os integrantes do Conselho de Política Monetária (Copom) vêm abusando do seu poder”, postura que compromete a credibilidade do BC.

Ele faz uma analogia entre a postura da autoridade monetária com a da cabine de um avião. “A cabine de comando dos aviões é um cofre blindado. Ela impede que intrusos tomem controle da aeronave, mas também protege um piloto que sequestra o avião para derrubá-lo”, escreve Roncaglia no artigo.

Essa postura, considerada intransigente pelo economista, compromete a credibilidade do BC, pois, “após a última reunião do Copom, as curvas de juros já antecipavam quedas da Selic. Nem o mercado acredita mais no ‘argumento técnico’ do BC”.

Os economistas do ICL Eduardo Moreira, Deborah Magagna e André Campedelli já alertaram que a justificativa do Copom para manter a Selic no atual patamar, usando a inflação de demanda como argumento, não faz sentido. Essa é, aliás, a crítica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com o desemprego e a perda de renda, o brasileiro mal está dando conta de pagar as contas. Vide a lista de inadimplência no país.

Na mesma linha de Roncaglia, Deborah e André, em artigo, escrevem que a ata do Copom, “uma das mais desastrosas” dos últimos tempos, “parecia mais um recado para o governo federal, um puxão de orelha do ‘único senhor preocupado com a economia brasileira’, do que uma explicação de fato para a atitude do comitê”.

A ata condicionou a queda da inflação e, consequentemente, da taxa de juros ao anúncio do novo arcabouço fiscal, substituto do teto de gastos (regra fiscal que limita o aumento dos gastos do governo à inflação passada), em uma clara tentativa de interferir na condução da política econômica.

Ontem (30), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) anunciou o novo arcabouço fiscal, que foi bem recebido pelo mercado financeiro, com bolsa subindo e dólar caindo. Resta saber, agora, se o Copom, na figura de Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-ministro Paulo Guedes (Economia) continuará nessa queda de braço com o governo.

Roncaglia diz que, ao falar em arcabouço fiscal, Copom não sinaliza no curto prazo uma mudança na política monetária

copom, dividendos da petrobras

Crédito: Reprodução ICL Notícias

No artigo publicado na Folha, Roncaglia disse que, “ao falar em arcabouço fiscal, em risco fiscal, [o Copom] não sinaliza no curto prazo uma mudança da política monetária e queda da taxa de juros”. Para ele, pior que isso é que a autoridade monetária “não exclui a hipótese inclusive de aumentar a taxa de juros caso ache necessário”.

Na opinião do economista, essa foi uma resposta clara às críticas recebidas do presidente Lula nas últimas semanas.

Além disso, ele destaca que a ata mostra divisão interna no Copom, “acobertada pela unanimidade em favor de manter a Selic em 13,75%”. Segundo ele, o documento “traz contradições, falácias e ameaças veladas ao governo, mostrando que o BC age politicamente”.

O economista elenca algumas contradições. “A ata menciona que, para alguns membros, o aperto de crédito está ‘em linha com o esperado’; para outros, estaria mais ‘acentuado do que o esperado’ e localizado em segmentos específicos.”

Para confrontar os argumentos, ele usa os próprios dados divulgados no último dia 29 pelo próprio BC, que mostram queda, em fevereiro, de 9,5% na concessão de novos empréstimos (-3,8% no trimestre). “O spread bancário cresce com as taxas maiores cobradas pelos empréstimos”, argumenta.

“O sistema bancário pode estar com estabilidade financeira garantida, mas o elo fraco da correia de transmissão está no setor não-financeiro, onde mais de 70% das empresas de capital aberto têm nível preocupante de alavancagem. Se as grandes empresas não geram caixa suficiente para cobrir suas despesas financeiras, imagine as micro, pequenas e médias empresas que não têm acesso a crédito barato”, aponta.

Outra falácia é em relação ao argumento da inflação de demanda, uma vez que a taxa de desemprego acelerou no país e que, portanto, não há excesso de demanda.

Além disso, ao condicionar a queda da inflação ao arcabouço fiscal mostra, claramente, que a Selic só vai cair se o Copom “aceitar a proposta”.

De modo geral, Roncaglia avalia que a ata tem tom “alarmista” e que, se a autoridade monetária insistir na queda de braço com o governo, mantendo o aperto monetário até 2024, isso levará o país a uma recessão.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo

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