O presidente da Argentina, Javier Milei, negou na terça-feira (18) que tenha promovido a criptomoeda $LIBRA, um escândalo que fez a bolsa argentina desabar e desembocou em uma série de processos judiciais por fraude. O economista anarcocapitalista afirmou que apenas “divulgou” o projeto em sua rede social.
A declaração foi dada ao canal de TV local TN, pouco depois de Milei voltar a compartilhar informações sobre o ativo digital, criado por um de seus assessores, em sua conta na rede X (antigo Twitter).
A postagem foi interpretada como um novo incentivo à compra da criptomoeda, levando a um aumento de mais de 120% no valor do ativo – antes de mais uma queda abrupta.
Mesmo assim, Milei tentou se desvincular da polêmica, alegando que não teve participação ativa na promoção da criptomoeda. “Eu não promovi [o suposto golpe]; o divulguei”, declarou o presidente, argumentando ter agido “de boa fé”.
Em sua defesa, o presidente argentino disse que a ideia parecia “interessante” porque visava a financiar empresas argentinas. “Alguém vem e me propõe criar um instrumento para financiar projetos; me parece interessante. Por querer ajudar os argentinos, tomei um golpe”, afirmou.
O episódio abalou o mercado financeiro argentino e resultou em mais de 100 denúncias judiciais, incluindo acusações de fraude, associação ilícita e descumprimento de deveres como funcionário público. A Justiça argentina determinou que um tribunal federal centralize todas as investigações.
Economistas do ICL comentam escândalo envolvendo a criptomoeda de Milei
A economista e apresentadora do ICL Mercado e Investimentos, Deborah Magagna, comentou o assunto na edição de ontem do programa. Ela explicou que o mercado de criptoativos é “muito descentralizado”, pois não tem uma regulação.
“Aqui no Brasil a gente tem a CVM [Comissão de Valores Mobiliários], órgão que desenvolve, regula e fiscaliza. Se isso [escândalo dos criptoativos] acontece dentro de um mercado que tem essa regularização, essa fiscalização fica muito mais fácil de você pegar o crime financeiro”, disse.
“Como é um mercado descentralizado, fica difícil punir e ver de onde a movimentação partiu. Quem entrou no movimento atrasado, vai ficar com o mico na mão. Vemos esse movimento acontecer com várias memecoins: quem ganhou o que tinha que ganhar sai e depois vira pó”, completou.
O também economista e apresentador do ICL Mercado e Investimentos, André Campedelli, comentou sobre o problema de conflito na postura de Milei ao indicar um investimento.
“Teoricamente, uma pessoa no cargo dele não poderia fazer uma recomendação de investimento. Eu não posso recomendar nenhum tipo de investimento porque tenho uma responsabilidade, tem gente que acredita em mim. Se eu, um reles economista, não posso fazer isso, imagine um presidente”, disse André.
“Ele tem informação privilegiada, sabe quando vão acontecer decisões de política monetária, o que vai acontecer de intervenção cambial(…). É de uma gravidade… É muito terrível [o que Milei fez]”, complementou.
No começo do mês, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o lançamento de uma criptomoeda própria, a “Trump coin” ou “meme coin”, cuja cotação tem disparado desde então.
Na ocasião, os economistas e apresentadores do ICL Mercado e Investimentos classificaram o fato de um presidente deter uma moeda própria como um “absurdo” repleto de “dilemas éticos”, e alertaram: “não coloquem o seu dinheiro nisso”.
O que pode acontecer com Milei
O escândalo da criptomoeda protagonizado pelo presidente da Argentina provocou a primeira grande crise no governo de extrema direita. Foram apresentadas dezenas de denúncias contra Milei e outros envolvidos, tanto na Argentina como nos Estados Unidos, e congressistas de oposição disseram que iniciariam um procedimento de impeachment por “criptofraude”.
Desde que Milei incentivou o investimento, a $LIBRA movimentou mais de US$ 4,5 bilhões de dólares (R$ 25,6 bilhões). Calcula-se que os investidores perderam cerca de US$ 250 milhões (R$ 1,42 bilhão) nesse vai e vem.
A criptomoeda $Libre, promovida pelo presidente, se revelou “uma fraude”, afirmou o economista argentino Ramon Fernandez, professor titular no Centro de Engenharia e Ciências Sociais (CECS) da Universidade Federal do ABC (UFABC), ao Brasil de Fato.
“Um grupo pequeno de proprietários iniciais desse ativo ganhou algo entre US$ 100 milhões e US$ 200 milhões em questão de horas, e um número mais amplo de pessoas, na grande maioria seguidores de Milei, perdeu essa quantidade. Ocorreu uma transferência de renda entre seus seguidores e muitos foram feitos de trouxas por acreditarem no presidente”, explicou.
Apesar de considerar um escândalo inédito “até para os incríveis padrões do Milei”, Fernandez considera que não terá graves efeitos políticos ou mesmo judiciais para o presidente. “As elites argentinas se convenceram de que Milei tem a capacidade de fazer uma série de reformas neoliberais com um apoio que mais ninguém conseguiria. Por isso, apesar de suas loucuras, continua contando com apoio para todas as coisas relevantes; inclusive neste caso a punição será uma pequena ‘bronca’, mas sem pensar em coisas como impeachment, julgamento sério etc.”, analisou.
Fernandez considera que o principal estrago desse escândalo para Milei será na área econômica, uma vez que a Argentina precisa conseguir recursos internacionais, especialmente do FMI (Fundo Monetário Internacional), para manter sua agenda econômica e controlar a inflação, principal promessa de sua campanha.
Mas os deputados da coalizão opositora União pela Pátria (peronismo) anunciaram que irão liderar um processo de impeachment contra o presidente, embora estejam longe de ter os votos necessários para que a iniciativa vá em frente.
Enquanto isso, o juizado federal 1, sob a responsabilidade da magistrada María Servini, foi designado na segunda-feira (17) para centralizar as denúncias que pedem para apurar se Milei cometeu associação criminosa, fraude e violação dos deveres de funcionário público, entre outros crimes.
Assista aos comentários dos economistas Deborah Magagna e André Campedelli no vídeo abaixo:
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