ICL Notícias
Economia

‘Pacote de corte de gastos contém reformas saneadoras de várias distorções’, diz Roncaglia

Economista e diretor-executivo do Brasil no FMI foi entrevistado do programa Em Detalhes, do ICL, de ontem (2)
03/12/2024 | 09h05

O pacote de corte de gastos anunciado pelo governo na semana passada, e que deve ser votado ainda este ano no Congresso, desagradou ao mercado financeiro, com reflexos na Bolsa de Valores e no dólar. Na avaliação do diretor-executivo do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional), André Roncaglia, o desagrado ocorreu porque o que acabou vindo foi “um conjunto de medidas saneadoras de várias distorções que existem no sistema tributário e no sistema de remuneração do governo, em particular no que diz respeito ao supersalários”. Ou seja, o mercado vislumbrava tirar dos mais pobres.

“O mercado queria reformas mais profundas associadas principalmente à Previdência, que era desvincular a Previdência do salário mínimo, que tem uma regra de crescimento que, mesmo na dinâmica fiscal, de fato causa problemas no longo prazo. O mercado esperava também um rompimento ou extinção dos pisos de saúde e educação e, no fim, não veio exatamente isso”, disse o economista em entrevista à edição de ontem (2) do ICL Em Detalhes.

Roncaglia lançou recentemente o livro “Poder e desigualdade: O retrato do Brasil no começo do século XXI”, escrito em parceria com o jornalista e comentarista do ICL Notícias César Calejon.

Entre as medidas anunciadas pelo governo, Roncaglia destacou aquela que prevê isenção tributária para quem ganha até R$ 5 mil e cobrança maior de impostos àqueles que ganham acima de R$ 50 mil por mês ou R$ 600 mil por ano. Esta, em particular, desagradou ao mercado. Trata-se de uma promessa de campanha do presidente Lula (PT), de promover a justiça tributária.

Embora tenha sido anunciada conjuntamente ao pacote, essa medida faz parte da reforma da renda e só deve ser encaminhada e votada no Congresso no ano que vem.

“Essa proposta que foi lançada é um pacote que vai precisar passar pela aprovação do Congresso, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco [PDS-MG], já disse que isso tudo deve ser feito com muita cautela”, pontuou.

Na opinião de Roncaglia, a medida anunciada corrige distorções, porque boa parte das pessoas que ganham acima de R$ 600 mil é isenta de tributação porque “justamente uma fonte dominante da renda dessas pessoas vem de ativos financeiros que pagam ou pouco tributo ou não pagam nenhum tributo”.

“O governo está fazendo um esforço de identificar profissionais liberais – médicos, economistas e advogados, por exemplo – que criam empresas exclusivamente para não pagar Imposto de Renda, porque aí o lucro não é tributado. Então, em vez da pessoa física prestar um serviço, ela cria uma empresa, coloca num regime de tributação especial que paga alíquotas muito baixas de Imposto de Renda, só que aí distribui o lucro e, quando o distribui, o lucro na pessoa física não é tributado”, explicou.

Em pacote de corte de gastos, governo busca dificultar conversão de renda do trabalho em renda do capital

Ao propor a tributação, o diretor-executivo do FMI diz que o que o governo tenta fazer é dificultar o chamado planejamento tributário, ou seja, a “tentativa de converter renda do trabalho em renda do capital para ela não ser tributada”.

Por isso, segundo ele, a reação do mercado, porque os dividendos, até agora, não são tributados. Mas, ao propor uma tributação sobre o ganho em cima do pagamento de dividendos, “esse dividendo vai passar a ser tributado ainda que indiretamente”.

“Vamos imaginar que uma pessoa que ganhou R$ 1 milhão no ano. Pela regra, ela deveria pagar 10% no mínimo sobre esse R$ 1 milhão que ela ganhou. Agora, por conta de vários descontos – tem os descontos de saúde e educação [no imposto de renda], pela regra ela vai ter que desembolsar mais para atingir os 10% de alíquota proposto”, pontuou.

Segundo Roncaglia, a proposta do governo pretende incidir sobre a renda global no topo da pirâmide. “Evidentemente no mercado financeiro isso causa uma dor de cabeça imensa, porque, agora, qual é a tributação efetiva que os ativos vão sofrer, se eles vão ser tributados na renda? Então, você gera uma incerteza e a incerteza provoca essa volatilidade no mercado”, observou.

Supersalários

Dentro do pacote de corte de gastos, o economista destacou ainda a proposta que prevê atacar os supersalários.

“O Estado brasileiro convive com algo que é extremamente anacrônico, que é esse conjunto de privilégios muito altos no topo das carreiras, em particular de alguns setores do serviço público. O Poder Judiciário é onde existe um conjunto grande, mas o Poder Legislativo também. Então, o que ocorre é uma grande heterogeneidade dentro do serviço público de maneira que você tem pessoas ganhando muito, nesse caso, muita gente ganhando acima do teto que é o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que hoje está em torno de R$ 44 mil”, disse.

Para ele, a medida começa a promover o fim do que ele chama no livro com Calejon de “Camarote VIP” da sociedade, ou seja, “esse setor da sociedade que tem os melhores empregos”. “São pessoas já ricas que tem os melhores empregos e já concentram a maior parte da riqueza”.

 

Assista à entrevista completa de André Roncaglia no vídeo abaixo:

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail