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Economia

Semana de 4 dias: 3,3 mil trabalhadores testam a proposta que protege saúde e meio ambiente

"A economia não precisa que trabalhemos mais do que isso", diz responsável por articular o teste, que vai até dezembro
20/07/2022 | 16h33

O Reino Unido é palco do maior teste da proposta de redução de jornada de trabalho para uma semana de quatro dias sem redução de salários em todo o mundo. Desde junho, cerca de 3,3 mil trabalhadores de mais de trinta setores da economia estão experimentando esse modelo de trabalho que promete vidas mais saudáveis para trabalhadores e um mundo mais sustentável – sem perda de lucratividade das empresas.

O experimento é desenvolvido pela campanha global 4 Day Week, que busca incentivar a adoção da proposta por meio de parcerias com empresas e governos em todo o mundo. Experiências similares foram feitas na Irlanda, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Israel. No Brasil, os bancários incluíram a reivindicação na campanha salarial deste ano.

No Reino Unido, o piloto vai até dezembro, envolvendo mais de 70 empresas e organizações. Os empregadores que aderiram recebem apoio, na forma de oficinas e seminários on-line com especialistas e mentoria direta com organizações que já implementaram a semana de 4 dias de forma bem sucedida.

Joe Ryle, Diretor de Campanha da semana de 4 Day Week Reino Unido, conta que o projeto começou a ser divulgado em janeiro e, imediatamente, a organização foi “inundada” com mais de 500 empresas interessadas. “Não conseguiríamos lidar com essa quantidade. Então, no final, reduzimos para 70 empresas, e estávamos prontos para começar em junho”, lembra.

“Procuramos escolher empresas de diferentes setores da economia. Temos empresas do setor de hospitalidade, varejo, marketing, telecomunicações, construção. Vários setores diferentes pra mostrar que isso é possível em toda a economia. Não é algo que possa ser feito da noite para o dia, é preciso uma transição para chegar lá, mas é para todo mundo, um mundo melhor para todos”, defende.

As empresas adotam uma jornada de 32 horas semanais, que é o equivalente a quatro dias de 8 horas. “Não acreditamos que alguém deveria trabalhar mais do que isso, a economia não precisa que trabalhemos mais do que isso. De fato, trabalhar mais do que isso está nos levando a estarmos esgotados, sobrecarregados, pouco eficiente e pouco produtivos”, sustenta Ryle.

“A semana de cinco dias de jornada, o modelo de 40 horas é  baseado em uma  economia agrícola, das anos 1930 e 40. É uma  maneira realmente ultrapassada de trabalhar e que nunca foi atualizada. A pandemia de covid foi um gatilho para repensarmos este modelo. Faz 110 anos desde que passamos de uma semana de seis dias para uma semana de cinco dias. Chegou a hora de tornar nossas vidas melhores, para ter mais tempo livre”, defende Ryle.

Preservar a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente

Um dos impactos principais da proposta, já detectado em testes anteriores realizados pela 4 Day Week Global, é a melhoria na saúde dos trabalhadores – e, por consequência, no seu rendimento no trabalho. Mais descansados e motivados, os empregados rendem mais e adoecem menos.

“O trabalhador está mais descansado, provavelmente está mais satisfeito com relação à sua rotina de trabalho. Não está estressado, não está sobrecarregado. Isso tem impactos na saúde evidentemente, porque uma sobrecarga de trabalho muito grande tem danos à saúde do trabalhador e em vários aspectos. Isso também contribui para reduzir o número de pessoas que são forçadas a entrar em tratamento por conta de jornadas longas e excessivas”, explica a economista Marilane Teixeira, e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho Da Universidade de Campinas (Cesit/Unicamp).

“Temos 100 empresas que adotaram a semana de 4 dias e todas relatam que a produtividade aumentou, o bem estar dos trabalhadores aumentou, e sem nenhum custo extra para as empresas”, concorda Ryle. “Em muitos casos, as empresas estão alcançando maiores lucros do que antes, porque as equipes estão mais motivadas, trabalhando melhor, mais efetivos, mais descansados, mais criativos. É uma situação em que trabalhadores e empresas ganham.”

Além do bem estar dos trabalhadores, a redução da jornada tem um impacto também para o meio ambiente. Segundo Ryke, evidências de estudos da rede organizada pela 4 Day Week Global sugerem que a semana de quatro dias ajuda a reduzir emissões de carbono, por conta dos trabalhadores realizarem um dia a menos de transporte até o local de trabalho e também porque os escritórios são usados um dia a menos, economizando eletricidade.

“A semana de quatro dias tem a ver com viver vidas melhores, de forma mais sustentável, mais saudável. Isso vai nos dar a possibilidade de fazer a transição para uma sociedade de baixo carbono”, afirma. “Nos dar mais tempo livre vai nos possibilitar viver vidas mais sustentáveis. Ter o tempo para cozinhar uma refeição mais saudável e deixar de comprar comida pronta.”

Mais empregos, menos desigualdade

A proposta responde a um problema estrutural em todo o mundo, e bastante sério no Brasil: as altas taxas de desemprego, subutilização de mão de obra e informalidade. “É visível que uma parte expressiva da classe trabalhadora mundial ainda cumpre jornadas superiores a 48 horas semanais, enquanto outra proporção se encontra em situação de subemprego, com jornadas muitas vezes insuficientes, que não asseguram sequer a sobrevivência”, explica a economista Marilane Teixeira, e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho Da Universidade de Campinas (Cesit/Unicamp).

No Brasil, são 10,6 milhões de pessoas desocupadas segundo dados do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o mês de junho. Além disso, a população subutilizada (que gostaria de ter mais horas de trabalho – e mais renda) ficou em 25,4 milhões de pessoas e 4,3 milhões de pessoas se disseram desalentadas (que desistiram de procurar trabalho). Mesmo entre os ocupados, 40,1% estão na informalidade.

Para ela, o problema é estrutural e apenas ampliar o crescimento econômico não será suficiente para resolvê-lo. “A capacidade de gerar emprego para toda essas pessoas depende basicamente de se repensar a questão da distribuição da jornada de trabalho. Porque é muito pouco provável, dadas as inovações e os avanços tecnológicas, que se consiga, só por meio do crescimento econômico, recuperar a capacidade de gerar emprego para todos. Você precisa redistribuir o tempo social, e isso só é possível reduzindo a jornada como uma forma de permitir que mais pessoas possam trabalhar”, afirma.

A solução passa por tornar mais justa a distribuição social dos ganhos de produtividade alcançados nas últimas décadas, por conta de avanços tecnológicos que diminuem a necessidade de mão de obra. Marilane explica que, até aqui, esses ganhos têm sido absorvidos quase que em sua totalidade pelos patrões, sem distribuição para trabalhadores ou para o conjunto da sociedade. A redução da jornada e inclusão de mais pessoas na força de trabalho são caminhos para redistribuir essa riqueza e garantir mais justiça social, ao lado da redução dos preços e do aumento dos salários.

O piloto é uma parceria da 4 Day Week com o think tank Autonomy e pesquisadores no Boston Collegge e nas universidades de Cambridge e Oxford. Esses acadêmicos acompanham o processo com avaliações de bem estar dos trabalhadores e produtividade de todas as empresas, como parte de uma pesquisa global sobre o tema. Os resultados serão divulgados após o final do teste, em dezembro deste ano.

Brasil de Fato

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