As Assembleias de Deus, maior grupo evangélico brasileiro, estão pulverizadas em diversos mandos independentes. As questões determinantes para os fracionamentos têm mais a ver com disputa por poder do que diferenças teológicas ou litúrgicas.
Em tempos idos, três ênfases permitiam caracterizar os sermões frequentes nos púlpitos das Assembleias de Deus: (1) a volta de Cristo com o arrebatamento da Igreja; (2) o batismo no Espírito Santo como experiência fundante do pentecostalismo; (3) e a moral medida pelo comprimento das saias e tranças das mulheres.
Evidente que existem outros componentes da identidade das Assembleias de Deus tão ou mais importantes do que esses três mencionados, quase num tom anedótico. Mas, as ênfases citadas são suficientes para caracterizar o grupo como recluso em relação à cultura e bastante fiel em termos religiosos. Esses diziam que a política era coisa do diabo.
Mesmo entre os demais grupos evangélicos, os “assembleianos” eram considerados rígidos e sérios na vivência da fé. Podíamos discordar das suas interpretações, mas admirávamos a consagração e honestidade com que viviam as suas convicções. O vestuário sóbrio e o exemplar da Bíblia (capa preta) debaixo do braço.
Sim, este tipo que estou esboçando, em traços largos, ainda existe. Contudo, parece que nas últimas cinco décadas perdeu espaço para um outro tipo.
Pastores de igrejas sedes se transformaram em empresários que tomaram para si pedaços significativos das Assembleias de Deus. Empreendedores que impuseram governos eclesiásticos progressivamente conquistaram riquezas financeiras, poder político e vastas redes de comunicação.
Na virada linguística promovida pelas mega Assembleias de Deus em que os donos chegam de carro ou helicóptero blindados para os cultos, os sermões exploram ênfases estranhas: (1) a teologia da prosperidade em que ser bênção é ser consumidor satisfeito; (2) a pretensão da teologia do domínio em que as instituições estatais, culturais e financeiras são tuteladas pela igreja; (3) e a moral medida pelo comprimento das bancadas no Legislativo e pelos decretos levados a cabo pelos Executivos federal, estadual e municipal.
Foi-se o tempo em que o “assembleiano” raiz testemunhava os seus valores como uma missão (ide e fazei discípulos). Nos nossos dias, o movimento controlado por pastores empresários ganhou contornos de maioria moral que dita regras, valores e decretos.
A fim de sair da abstração e apontar exemplos concretos, cito três casos. Não são os únicos, mas ilustram bem o fenômeno que estou descrevendo.
Samuel Câmara
O pastor Samuel Câmara (66 anos), televangelista proprietário da Rede Boas Novas de comunicação, é líder de um dos principais segmentos pentecostais do país, a Igreja Assembleia de Deus em Belém do Pará.
Para os pleitos eleitorais ele indica reiteradamente o seu irmão e sua cunhada, Silas Câmara (Republicanos-AM) e Antônia Lúcia (Republicanos-AC). Enquanto a deputada Antônia Lúcia cumpre o segundo mandato, o marido, deputado Silas Câmara, está no sétimo mandato e é um dos expoentes da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional.
A formalização do apoio do Republicanos à candidatura de Roberto Cidade (União Brasil, Manaus–AM), presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, aconteceu (01/08) através da declaração do deputado Silas Câmara, dirigente do partido no estado. [1]
No mais rudimentar cálculo eleitoral, em Manaus, o voto em feitio de oração dos irmãos Câmara é disputado como se busca uma bênção.
José Wellington Bezerra da Costa
O pastor José Wellington Bezerra da Costa (89 anos), presidente de honra da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), supostamente a maior denominação pentecostal da América Latina, é pastor presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Ministério do Belém, Campinas–SP. Por décadas, é um dos líderes evangélicos mais influentes do país.
Nas eleições de 2022, renovou a unção sobre o seu filho Paulo Freire (PL-SP), voto de confiança que foi determinante para elegê-lo para o quarto mandato na Câmara Federal.
Pablo Marçal (PRTB-SP) divulgou a sua visita (24/09) à igreja do pastor José Wellington como se fosse uma declaração de voto do ancião.
Diante dos duros ataques nas últimas semanas do pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o candidato Marçal tentou blindar-se com “cobertura espiritual”. Sorridente, como se ostentasse um troféu, postou nas suas redes sociais: “Hoje recebi o apoio do pastor presidente José Wellington Bezerra da Costa e de toda a igreja Assembleia de Deus — Ministério Belém”.[2]
No dia seguinte (25/09), José Wellington Júnior, Vice-presidente da Assembleia de Deus — Ministério do Belém, desmentiu o ex-coach: “Nós apenas recebemos ele educadamente”. [3]
O pastor José Wellington Júnior declarou ainda explicitamente que a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Ministério do Belém apoia a candidatura do Ricardo Nunes (MDB).
Marçal é mentiroso e vive de simulacros para produzir cortes para as suas redes sociais.
Contudo, o pastor José Wellington não é um velhinho inocente que fez o “M” inadvertidamente. Sempre foi oportunista e é viciado em jogos políticos. Dobra as apostas porque sabe as cartas que tem na mão.
José Wellington na sua vasta experiência política aprendeu a blefar para ganhar fichas. Nas eleições para prefeitura de São Paulo, está com um pé em cada canoa.
Manoel Ferreira
O clã do bispo primaz vitalício Manoel Ferreira (92 anos), presidente da Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira — CONAMAD. Os filhos Samuel Ferreira (bispo da Assembleia de Deus do Brás, SP) e Abner Ferreira (bispo da Assembleia de Deus em Madureira, RJ) são herdeiros dos espólios políticos e eclesiásticos.
O braço político do grupo é extenso, mas fiquemos em dois exemplos emblemáticos: (1) deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), 2º mandato, pastor e radialista, presidiu a Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional na gestão 2021; (2) deputado federal Otoni de Paula (MDB — RJ), 2º mandato, pastor e radialista.
A propósito, o pastor Otoni de Paula, com a anuência do bispo Abner Ferreira, foi alçado ao posto de articulador junto ao eleitorado evangélico da candidatura de Eduardo Paes (PSD-RJ) a prefeitura do Rio de Janeiro. Muitas ilações foram feitas sobre moedas de trocas que teriam definido as negociações, mas não temos como afirmar a veracidade dos supostos jogos políticos. [4]
Fezinha
Os pastores José Wellington, Manoel Ferreira e Silas Câmara estão na mesma prateleira. São viciados em jogos políticos com a ambição de ampliar rapidamente os seus empreendimentos religiosos.
Deus não precisa disso, nem a Igreja Assembleia de Deus merece.
Muitos “assembleianos” se afastam dos princípios do evangelho e se prostraram diante do falso messias terrivelmente evangélico.
Assim como Esaú, os tais pastores jogadores trocaram/venderam a bênção de Deus por um prato de lentilha quente.
[1] EM CONVENÇÃO, Republicanos reafirma apoio à pré-candidatura de Roberto Cidade. 5 ago. 2024. Disponível em: https://robertocidade.com.br/em-convencao-republicanos-reafirma-apoio-a-pre-candidatura-de-roberto-cidade/. Acesso em: 28 set. 2024.
[2] MARÇAL, Pablo. O Pastor faz o M. Instagram: @pablomarcalporsp. 25 set. 2024. [Postagem em formato de vídeo em rede social]. Disponível em: https://www.instagram.com/p/DAUqAM4NCpj/. Acesso em: 28 set. 2024.
[3] GADELHA, Igor. Pastor desmente Marçal e nega ter declarado apoio ao ex-coach. Metrópoles, 25 set. 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/pastor-desmente-marcal-e-nega-ter-declarado-apoio-ao-ex-coach. Acesso em: 28 set. 2024.
[4] NEIVA, Lucas. Coordenador de campanha de Eduardo Paes já o acusou de corrupção. Congresso em Foco, 27 jun. 2024. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/coordenador-de-campanha-de-eduardo-paes-ja-o-acusou-de-corrupcao/. Acesso em: 28 set. 2024.
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