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Jessé Souza

Escritor, pesquisador e professor universitário. Autor de mais de 30 livros dentre eles os bestsellers “A elite do Atraso”, “A classe média no espelho”, “A ralé brasileira” e “Como o racismo criou o Brasil”. Doutor em sociologia pela universidade Heidelberg, Alemanha, e pós doutor em filosofia e psicanálise pela New School for Social Research, Nova Iorque, EUA

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Elon Musk e o imperialismo sem vergonha

Esse delinquente internacional precisa ser detido
04/09/2024 | 05h00

Poucos percebem, mas a dominação mundial de alguns países sobre outros — ou simplesmente do Norte global sobre o Sul do planeta — não é só algo “econômico”, consubstanciado em trocas desiguais de produtos manufaturados com alto valor agregado e a condenação do Sul global a exportar matéria-prima. Além da dimensão econômica, ou melhor, para que a própria espoliação econômica possa acontecer, há que se convencer o oprimido, no caso os povos oprimidos, que eles são inferiores.

Precisa haver, portanto, uma dominação simbólica, ou seja, um amálgama de valores e de ideias, que convença os oprimidos que eles são mais feios, menos inteligentes e, cereja do bolo, mais corruptos para animalizar e desumanizar os povos do Sul do global. Tudo como se a corrupção sistêmica mundial não fosse comandada pelos EUA. Quando se diz — e essa é a crença dominante seja na ciência, seja no senso comum global — que a corrupção no Norte é deslize individual, e a corrupção do Sul sistêmica. Ou seja, abrangendo todas as pessoas e a sociedade como um todo, então essas pessoas são desumanizadas pela falta de moralidade.

Como inteligência e moralidade definem a nossa humanidade — sem isso nos associamos aos outros animais — definir um povo como corrupto é destituí-lo do respeito devido a quem é humano. E quem não é humano não tem direitos.

A elite brasileira vai usar o mesmo expediente internamente para oprimir o povo, tirando onda que é europeia ou americana e, portanto, honesta num país de corruptos eleitores de corruptos.

Se os povos do Sul são inferiores, então eles “devem” ser comandados a partir de fora pelos povos inteligentes e honestos. Este é o esquema que permeia tanto toda a ciência hegemônica americana e europeia, quanto Hollywood e toda a indústria cultural mundial.

Nessa fase final do capitalismo financeiro que saqueia todo mundo e se alia com a extrema direita, esse preconceito e este desprezo — antes apenas sentido, mas não expresso — passa a ser explicitado com toda a clareza. Musk incorpora essa desfaçatez como ninguém.

Ele já havia dito que apoiaria tantos golpes de Estado quanto fossem necessários para defender seus negócios na Bolívia. Essa afirmação era impensável 20 anos atrás. Agora “pode tudo” no mundo cada vez mais governado não mais por nações, mas por super ricos que pairam sobre as soberanias nacionais para enfraquecê-las. Musk é um psicopata que, portanto, explicita pelo exagero a patologia da nossa época.

Ele se acha acima da lei de países que considera, como todos na América Latina, inferiores. Ele não faz o mesmo na Europa ou EUA. A pregação quase centenária de Hollywood e da indústria cultural, repetindo todos os estereótipos do latino sempre ladrão e inconfiável nos filmes americanos, termina por convencer até as vítimas de um preconceito para o qual não possuem defesa.

Elon Musk surfa nesta onda e se apoia no desprezo já secular cultivado pelas ciências, pela arte, pela imprensa, e por toda a indústria cultural e simbólica. Por conta disso é que sempre vai encontrar patriotários para apoiá-lo. Esse delinquente internacional precisa ser detido. Ele é a mais pura expressão do desprezo mundial pela América Latina construído intencionalmente para permitir o saque indiscriminado da região.

 

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