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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

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Em que ano estamos?

O passado sempre esperando para golpear o futuro
27/06/2024 | 04h00

Diante da tela em branco fiquei pensando sobre o que escrever esta semana. A dificuldade não era a falta de tema, mas o excesso. O exagero de passado mofado exposto em matérias, comentários, postagens de textos, vídeos, polêmicas, notas. Uma tempestade de anacronismo e retrocesso em larga escala, demonstrando que tempo para perder com pautas ultrapassadas é o que não falta a uma parcela grande de políticos e da população afinada com este grupo. Afinal, aparentemente, tudo o mais está resolvido no país.

A lista é um assombro que inclui desde a tentativa de retrocesso na lei que regula o aborto vigente desde 1940 até a ressuscitação de projeto de 2011 que pretende autorizar contrato de trabalho de adolescentes de 14 a 16 anos, hoje só permitido na modalidade aprendiz. Na esfera internacional, até uma tentativa de golpe de estado na vizinha Bolívia, jogou todo mundo num possível noticiário dos anos 1960, quando a América Latina foi assaltada por quarteladas.

Sabemos, não é acaso. A escalada da extrema direita no planeta busca a volta de muitas casas no jogo da democracia, em favor da fome de controle, poder e dinheiro. Entre todas as falas medonhas dos tempos recentíssimos, o vídeo do pastor desaconselhando os pais a incentivarem o estudo universitário dos filhos foi emblemático por um motivo simples: ele vai direito ao ponto. Tudo começa na desinformação, na incapacidade de empatia e reflexão. É na distância do ambiente do debate de ideias que a ignorância floresce.

Ver um filho ou uma filha levantando um diploma na festa de formatura é, há séculos, o sonho de milhões de famílias país afora. Minar o desejo pela educação formal parece ser a fórmula encontrada para contrapor fé e cidadania. É a vocalização do que boa parte da elite nacional sempre quis: uma massa servil, necessitada de seus subempregos, pronta para ter apenas um direito: o de votar neles e/ou em seus candidatos. Apenas isso.

Acontece que enquanto o pastor aconselhava a venda de picolé na garagem ao invés da cadeira em uma sala na universidade, se moviam aqueles e aquelas que sempre souberam que precisavam se mover caso não tivessem intenção de morrer ou sucumbir sob tanta opressão secular. Soma-se a isto um respiro com a descriminalização de usuários da maconha. Uma medida que é apenas um começo para reverter o super encarceramento de homes e, sobretudo, jovens negros.

Tempo sobrando para pensar em uma maneira de retornar ao início do século 19 ou, mais, à idade média, é o que não falta às bancadas que legislam não para o bem comum, mas para regular a vida alheia com bases em seus próprios valores embolorados. Eles não desistirão e a atenção precisa ser redobrada.

As eleições vêm aí e, dada a quantidade de questões a serem pensadas, chegou a hora de pesar cada voto como ouro pois, como disse certa vez Ailton Krenak, “é guerra, em todo lugar, o tempo todo”.

 

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