As emendas parlamentares de caráter orçamentário se tornaram um verdadeiro labirinto político no Brasil. Marcadas por idas e vindas legislativas e jurídicas que, mesmo após mais de uma década, continuam longe de um capítulo final. Mas essas emendas impactam realmente a gestão de recursos e a formulação de políticas estruturantes? Este texto explora a relação entre as emendas e o orçamento público, destacando os desafios de governabilidade, priorização e transparência no cenário político brasileiro.
O que são emendas parlamentares e por que são importantes?
As emendas parlamentares permitem que deputados e senadores destinem recursos para atender demandas específicas de suas bases eleitorais. Apesar de sua relevância para o desenvolvimento local, por vezes essas emendas são criticadas pela falta de transparência e pela priorização de interesses políticos e eleitorais em detrimento de políticas públicas estruturantes.
O debate sobre as emendas orçamentárias no Brasil reflete um cenário de constante mudança e reinterpretação jurídica. Desde a introdução da impositividade das emendas individuais em 2013, o sistema legislativo tenta equilibrar a autonomia dos parlamentares na destinação de recursos e a responsabilidade fiscal do governo.
O impacto das emendas no orçamento público
Nos últimos anos, as emendas representam uma parcela crescente do orçamento. A título de exemplo, em 2025, a expectativa é que cada deputado disporá de R$ 37.275.986, enquanto cada senador terá R$ 68.539.716 em emendas individuais. Esse cenário levanta questões sobre a capacidade do governo de honrar com as suas prioridades e executar políticas estratégicas.
Linha do Tempo: As Mudanças nas Emendas Orçamentárias
Para entender melhor como o marco legal das emendas parlamentares evoluiu ao longo dos anos, confira a linha do tempo abaixo, que detalha as principais mudanças e suas implicações jurídicas.
● 2013: A Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2014 (LDO 2014 – Lei nº 12.919, de 24 de dezembro de 2013) insere pela primeira vez a impositividade das emendas individuais. Foi aqui que tudo começou.
● 2015: A Emenda Constitucional nº 86/2015 introduz a impositividade das emendas individuais de parlamentares na Constituição, tornando obrigatória a execução orçamentária e financeira destas no projeto de lei orçamentária anual. O valor das emendas impositivas individuais é fixado em 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL). Essa emenda marca o início do modelo de orçamento impositivo no Brasil, mas com foco limitado às emendas individuais.
● 2016: A Emenda Constitucional nº 95/2016, conhecida como “Teto de Gastos”, impõe um limite para os gastos públicos por 20 anos, restringindo o crescimento das despesas à inflação do ano anterior e impactando o cálculo do valor destinado às emendas parlamentares.
● 2019: A Emenda Constitucional nº 100/2019 expande o orçamento impositivo ao tornar obrigatória a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal. No mesmo ano, a Emenda Constitucional nº 102/2019 absorvendo impactos da EC 100/2019 ao permitir o contingenciamento de despesas para o cumprimento de metas fiscais ou limites de despesas, o cancelamento de dotações para abertura de créditos adicionais e a não execução em caso de impedimentos técnicos. A EC 102/2019 também insere dois novos dispositivos no art. 165 da Constituição sobre a plurianualidade orçamentária. É a partir da EC 100/2019, complementada pela EC 102/2019, que a obrigatoriedade de execução orçamentária se estende a todas as despesas primárias discricionárias, e não apenas às emendas parlamentares. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 (Lei nº 13.898/2019) introduz marcações orçamentárias específicas para emendas de comissões permanentes (RP 8) e emendas de relator-geral do PLOA (RP 9).
● 2020: O ano de 2020 marca o início da utilização do marcador de Resultado Primário RP-9 para identificar as emendas de relator. As emendas de relator já existiam, mas se limitavam à correção de erros no projeto de lei encaminhado pelo Executivo. A partir de 2020, o relator adquire novos poderes e prerrogativas orçamentárias.
● 2021: A Emenda Constitucional nº 109/2021 adiciona o § 16 ao art. 37 da Constituição, determinando que órgãos e entidades da administração pública realizem avaliações de políticas públicas, incluindo a divulgação do objeto avaliado e os resultados, conforme previsto em lei. Essa emenda atribui mais uma função à lei de diretrizes orçamentárias. A Emenda Constitucional nº 105/2019, aprovada em 2019, entra em vigor neste ano, criando o mecanismo de “transferência especial” para emendas individuais. Essa nova modalidade permite que parlamentares destinem recursos de suas emendas impositivas a estados e municípios sem a necessidade de especificar a aplicação dos recursos. A ausência de definição da aplicação dos recursos levanta preocupações sobre o impacto na economicidade, eficiência e efetividade do gasto público, já que a modalidade impossibilita a mensuração dos efeitos dos recursos nas localidades.
● 2022: A Emenda Constitucional nº 126/2022 aumenta o percentual das emendas impositivas individuais para 2% da RCL, destinando metade do valor para ações na área da saúde. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022 (Lei nº 14.303/2022) vincula o cancelamento de dotações orçamentárias provenientes de emendas de comissões (RP 8) e emendas de relator (RP 9) à aprovação de seus autores no Legislativo. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar as ADPFs nº 850, 851, 854 e 1.014 (o “orçamento secreto”), decide que as emendas de relator-geral devem se restringir à correção de erros e omissões, conforme o art. 166, § 3º, III, “a”, da Constituição Federal. A decisão do STF impede a criação de novas despesas ou a ampliação de programas mediante emendas do relator-geral, eliminando o caráter vinculante das indicações do relator.
● 2023: A LOA 2023 (Lei nº 14.535/2023) autoriza o Executivo a remanejar, por ato próprio, dotações orçamentárias de até 20% do valor do subtítulo, com limite ampliado para 30% para remanejamentos entre categorias de programação do mesmo programa dentro de cada órgão orçamentário.
● 2024: Lei Complementar 210, que tem em vista tornar mais transparentes as regras para a proposição e a execução das emendas feitas na LOA. Com as novas normas, o autor deverá informar o objeto e o valor da transferência quando da indicação do ente beneficiado (estado, DF ou município), com destinação preferencial para obras inacabadas propostas por ele anteriormente. O ministro do STF, Flávio Dino, liberou a execução das emendas parlamentares ao Orçamento com algumas condições. Entre elas, a partir de 2026, no entanto, as emendas impositivas entrarão nos limites do arcabouço fiscal, e as de comissão ficam com a correção da inflação. Na prática, o ministro acabou criando um limite para o aumento do valor das emendas ao longo dos anos.
Caminhos para melhorar a gestão das emendas
Para que o orçamento público brasileiro atenda às necessidades da população, é imprescindível a implementação de critérios técnicos para a alocação de recursos provenientes das emendas parlamentares. Atualmente, a falta de parâmetros objetivos favorece decisões baseadas em conveniências políticas, muitas vezes em detrimento das prioridades mais urgentes. Estabelecer diretrizes técnicas poderia garantir que os recursos sejam direcionados para áreas de maior impacto, assegurando que as emendas cumpram o seu real propósito, melhorar a vida da população. A transparência na aplicação dos recursos deve ser ampliada, com plataformas acessíveis à população e auditorias regulares que acompanhem não apenas a execução financeira, mas também os resultados alcançados.
Promover debates públicos sobre as prioridades orçamentárias é também outro passo essencial para o fortalecimento do processo democrático. A população deve ser envolvida na definição das diretrizes orçamentárias, permitindo que suas demandas orientem as escolhas dos representantes. Esse diálogo contribui para equilibrar a autonomia parlamentar com a necessidade de eficiência na gestão pública. O equilíbrio é vital para o orçamento público cumprir seu papel como instrumento de desenvolvimento nacional. Sem essa harmonia, continuaremos presos a um sistema que beneficia interesses fragmentados, em detrimento de políticas estruturantes e inclusivas. Apenas com essa corresponsabilidade será possível sair do atual labirinto político das emendas orçamentárias, transformando o orçamento público em um verdadeiro motor de transformação social.
Deixe um comentário