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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

Entradas, Bandeiras e mortes eternas

Pedro Henrique, presente!
29/08/2024 | 13h00

Está nos livros didáticos de história do Brasil: “Enquanto as Entradas eram expedições de caráter oficial, ordenadas pela Coroa Portuguesa e saindo predominantemente da região Nordeste, as Bandeiras eram iniciativas dos próprios colonos, lideradas pelos chamados bandeirantes que partiam em sua maioria de São Paulo”.

Não importa, as duas tinham o mesmo objetivo — a busca de metais preciosos e terras; os mesmos métodos — desmatamento, roubo de terra e assassinato; e os mesmos resultados — o extermínio e a captura de milhares de indígenas para a escravização.

Não fosse o fato de que estamos há no mínimo 300 anos distantes destes bárbaros, o ano de 2024 parece não ter mudado um milímetro. Não mudou porque uma escola de milionários, muitos descendentes destes “desbravadores”, não coibiu de forma enérgica o racismo, a homofobia e o preconceito de classe de seus estudantes a ponto de evitar que eles humilhassem cruelmente o colega Pedro Henrique, a ponto de levá-lo a tirar a própria vida.

Uma tragédia que ceifou a existência de um aluno brilhante, com um futuro igualmente luminoso adiante; arruinou uma família para sempre; e emporcalhou trajetórias de vidas juvenis. Sim, não há dinheiro que limpe da história dos que praticaram bullying e racismo (não são a mesma coisa!) contra Pedro, o seu sangue.

O aluno que não está mais aqui realizou uma prova exemplar e entrou por intermédio de bolsa, na escola que leva o nome do grupo em que faziam parte Antônio Raposo Tavares, Fernão Dias Pais, Bartolomeu Bueno da Silva e tantos outros. Um estabelecimento excelente para ensinar o conteúdo programático que cai nos vestibulares e processos seletivos mais elitizados do país.

Não é difícil imaginar o orgulho dos pais, pois educação é uma obsessão e algo precioso demais para gerações que nunca puderam acessá-la decentemente. O diploma, a formação, o conhecimento, o intelecto. Tudo isto é valor e tudo isto custa caro… muito caro.

Caso fosse uma instituição que privilegia a formação de gerações menos selvagens em seu “pioneirismo desbravador”, estaria irmanada com as famílias no firme propósito de fazer do ambiente escolar um lugar de acolhimento e empatia em vez de desespero e morte, mas, como o homem em sua frágil masculinidade ferida do anedotário, que ao se ver traído no sofá ao invés de resolver seu casamento toma a enérgica providência de jogar o móvel no lixo, dirigentes da escola ao invés de buscar medidas para mudar radicalmente as relações humanas na instituição, dão declarações cogitando a possibilidade de jogar o seu “sofá” fora — a ONG que seleciona e acompanha os alunos bolsistas.

Uma elite incompetente para dizer aos seus jovens que eles não são o centro do universo, que devem respeito aos colegas, a todas e todos os cidadãos e que seu dinheiro não entra nesta equação, só serve para formar investidores que lucram na desigualdade eterna; que imitam seus antepassados “destemidos” incendiando territórios do tamanho de países, matando e destruindo ou… formando motoristas de carro de luxo, que atropelam trabalhadores como são os pais do menino morto.

Os Bandeirantes do século 21 dizem em alto e bom som: “Borba Gato vive!”

Mas nós gritamos: “Pedro Henrique, presente!”

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