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Escala 10×1: Advogado da Zaffari se contradiz ao explicar Descanso Semanal Remunerado

Obino Filho assume que uma das escalas usadas pela empresa suprimiria Descanso Semanal Remunerado
04/01/2025 | 16h03

Por Theo Dalla – Brasil de Fato e Jornal O Futuro

Diante da repercussão das denúncias trabalhistas contra a Companhia Zaffari, no Rio Grande do Sul, a Rádio Gaúcha realizou uma entrevista com o advogado Flávio Obino Filho, representante da empresa, a fim de “esclarecer” o funcionamento da escala de 10 dias consecutivos de trabalho para um de descanso. Durante a entrevista, o advogado justificou que há embasamento legal para a escala praticada pela empresa, questionou o conceito de “semana de 7 dias” e disse que “não existe uma escala 10×1”. Porém, ao tentar explicar sua tese, Obino Filho assumiu que uma das escalas usadas pela empresa suprimiria o direito ao Descanso Semanal Remunerado (DSR).

Apesar de ter sido normatizada em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) firmado entre o Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre (Sindec-POA) e a Companhia Zaffari, a possibilidade de estender a jornada para além de 7 dias consecutivos de trabalho é considerada uma “violação do art. 7º, XV, da Constituição Federal” pelo Tribunal Superior do Trabalho, sendo o direito ao DSR indisponível para negociação em acordo. Em fevereiro de 2024, uma cláusula idêntica à que consta no ACT entre o Sindec-POA e a Companhia Zaffari foi considerada nula em um processo encabeçado pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS).

Apesar desta decisão do órgão superior da Justiça do Trabalho, o entendimento do advogado do Zaffari é diferente. Para ele, “não existe uma ‘escala 10×1’, nem uma ‘escala 6×1’”, pois, a escala é móvel e os dias de descanso e trabalho podem ser distribuídos como melhor convir para o empregador, desde que respeite “algumas regras”, como o Descanso Semanal Remunerado. Para explicar como funciona o sistema da empresa, Obino define semana como “o que começa na segunda-feira e termina no domingo”, o que seria diferente do período de 7 dias:

“Garantindo uma folga na semana, eu posso ter dias trabalhados diferentes. Como a escala é móvel, eu posso trabalhar 10 dias corridos [até ter a folga], mas, seguido a isso, eu vou ter 3 dias trabalhados e vou ter um descanso. E nem por isso eu vou chamar esse sistema de 3×1, porque, 10×1 necessariamente tem o 3×1”.

Após dizer isso, o repórter Paulo Germano questiona a veracidade desta afirmação, ao que o advogado responde reafirmando que após 10 dias de trabalho consecutivos, depois da folga, “tem que ser 2 ou 3 dias, porque, para cumprir a regra legal e a regra dos acordos, matematicamente, é impossível que, depois de trabalhar 10 dias corridos, se trabalhe 6 dias corridos, porque eu vou extrapolar a semana. Nas escalas, é impossível que isso aconteça, desde que se respeite o Repouso Semanal Remunerado”.

Mariana Ceccon, outra repórter da Gaúcha, então, insiste no questionamento e apresenta um exemplo de escala que, seguindo a lógica do advogado, estaria em contradição com suas afirmações. “Se folgar na segunda (9/12), trabalhar 10 dias consecutivos (até dia 19/12) e folgar na sexta-feira (20/12), eu posso trabalhar mais 8 dias, e cabe dentro da mesma semana”. Então, o advogado assume que, neste caso, “tu vai pular o Repouso Semanal Remunerado”, ou seja, vai suprimir o direito ao descanso do trabalhador.

Ainda que o advogado Flávio Obino Filho tenha afirmado e reafirmado que “há um limite de 10 dias”, que é “matematicamente impossível” uma escala de 10 e 6 dias corridos sem “pular o Repouso Semanal Remunerado”, que “não existe escala 10×1, nem 6×1”, que as escalas “devem respeitar algumas regras” como o próprio direito ao repouso, mesmo assim, estas escalas são comuns aos funcionários da Companhia Zaffari. A empresa não só extrapola os dez dias (já considerados violações pelo TST), como também aplica escalas que, segundo o próprio Flávio Obino Filho, são impossíveis sem “pular o Repouso Semanal Remunerado”.

Ponto de um funcionário com apenas três repousos em um mês / Jornal O Futuro

Neste registro acima do ponto de um funcionário, é possível ver que ele desfruta de apenas três dias de repouso em um mês. Sua “escala” segue a seguinte sequência: 10 trabalhados, uma folga, três trabalhados, uma folga, seis trabalhados, uma folga, mais oito trabalhados (que, na verdade, são nove, já que trabalhou mais um dia em sequência, ainda que já tenha virado o mês). Isto é, em 31 dias, o funcionário desfrutou de apenas três folgas, mesmo seguindo a primeira sequência de 10×1 e 3×1 defendida pelo advogado.

O mesmo funcionário também revelou ter trabalhado por 11 dias consecutivos, numa escala que, ao fim, configurou a sequência mensal 1-11-6-6-1. Noutro mês, trabalhou na escala 8-5-10-6. Ambas, de acordo com a tese do representante do Grupo Zaffari, podem ser consideradas violações do direito ao descanso semanal e das “regras que devem ser seguidas” para definir uma escala.

Pontos de meses diferentes do funcionário / Jornal O Futuro

A situação de uma operadora de caixa demonstra uma violação ainda mais evidente do direito ao descanso. A jovem foi submetida a 15 dias consecutivos de trabalho, chegando a jornadas de 10 horas de trabalho.

Ponto da operadora com 15 dias de trabalho consecutivos / Jornal O Futuro

Para o advogado do Grupo Zaffari, o limite de 10 dias consecutivos de trabalho é uma “conquista do Sindicato dos Empregados do Comércio”. Segundo ele, o número de dias trabalhados sem folga poderia chegar a 13, pois há decisão judicial que sustenta esta possibilidade.

Em 2014, a Companhia Zaffari foi ré em um processo que denunciava, dentre outras coisas, as escalas de trabalho de 10 a 15 dias. Já neste processo, o MPT-RS, que promoveu a denúncia, embasou sua acusação na mesma decisão do TST que define como violação estas escalas, apontando que este regime de trabalho fere a saúde e a dignidade humana. Porém, ignorando e contrapondo a decisão de sua instância judiciária superior, a juíza do trabalho responsável pelo processo, Eny Ondina Costa da Silva, da 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, absorveu a tese defendida pela Companhia Zaffari no que se refere à indefinição do “conceito de semana” e proferiu a seguinte decisão:

“Os empregados devem usufruir um repouso dentro de cada semana, o que, devido à escala para preservar um descanso coincidente com o domingo, pode se dar até o 13º dia. Portanto, determino que a reclamada conceda aos seus empregados um dia de repouso remunerado a cada semana, de modo que os trabalhadores não prestem, entre o gozo de um repouso e o seguinte, mais do que doze (12) dias de trabalho consecutivos”.

Após esta decisão, a Companhia Zaffari e o Ministério Público do Trabalho realizaram uma reunião de conciliação. Desta reunião, resultou um acordo que, com a anuência do MPT-RS, permitiria estender a escala até 10 dias consecutivos de trabalho. Até hoje, a Companhia Zaffari parece se basear nesta decisão para manter seu regime de trabalho, a despeito do vigente entendimento do Tribunal Superior do Trabalho que o classifica como violação do direito ao repouso semanal. Este regime de trabalho, também, já foi considerado, em tese, como análogo à escravidão pela juíza e professora de Direito do Trabalho Valdete Souto Severo.

De todo modo, mesmo com este acordo que permite estender a jornada até dez dias, o não cumprimento desse limite implicaria no pagamento de multa pela Companhia Zaffari para cada funcionário que tiver seu direito violado. Na decisão da juíza, a multa seria de R$15 mil para cada funcionário que trabalhou mais de 12 dias consecutivos. Porém, no acordo firmado pelo MPT-RS com o Grupo Zaffari, o qual vale sobre a decisão da magistrada, a multa é de R$1 mil por cada descumprimento.

Para o MPT-RS, a concordância do procurador do trabalho Lourenço Agostini, que assinou o acordo com a Companhia Zaffari em 2015, se deve à “independência funcional”, que garante a cada procurador “autonomia para agir de acordo com seu entendimento do caso à luz da legislação”.

A Companhia Zaffari afirmou que “não irá se manifestar” sobre estas denúncias. A juíza Eny Ondina ainda não retornou a reportagem. Tão logo se manifeste, este texto será também atualizado.

Funcionários da Companhia Zaffari se organizam e publicam denúncias

Recentemente, foi lançada a União dos e das Trabalhadores do Zaffari, um coletivo composto por diversos funcionários da empresa, organizado a partir das recentes denúncias e manifestações. Em sua página no Instagram, o grupo publica denúncias que recebem de funcionários de diferentes lojas, bem como se prepara para lançar um programa de reivindicações para o novo acordo coletivo, que deve ser discutido entre o Sindec-Poa e a Companhia Zaffari.

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