O Conselho Europeu elaborou uma versão mais branda da proposta que atrela produtos importados a ações para reduzir o desmatamento. O documento reduz as obrigações das importadoras em relação às áreas que devem ser rastreadas e ao número de produtos a serem fiscalizados.
A nova versão do documento do Conselho Europeu reduz o escopo de atuações e medidas contra o desmatamento em ecossistemas florestais, ignorando o desmatamento em biomas como, no caso brasileiro, o cerrado e o pantanal.
A proposta em debate pelo bloco consiste em obrigar empresas importadoras a realizar auditorias que rastreiem a origem dos produtos e garantam que não haja proveniência de áreas de desmatamento ilegal. A regra se aplica a seis commodities e seus derivados: óleo de palma, carne bovina, madeira, café, cacau e soja.
No entanto, o novo texto, apresentado semana passada pelo Conselho Europeu, reduz medidas contra o desmatamento e, por essa razão, recebeu críticas de organizações ambientalistas, que o veem como um retrocesso em relação à versão apresentada em novembro do ano passado pela Comissão Europeia.
Conselho Europeu busca equilíbrio entre ambição e realismo
Em nota à imprensa, o Conselho Europeu divulgou que a abordagem evita a duplicação de obrigações e reduz os encargos administrativos para os operadores e as autoridades dos Estados-membros. Para o Conselho, as nações do bloco veem a necessidade de identificar um compromisso que estabeleça o equilíbrio certo entre ambição e realismo.
Ao propor como as empresas devem rastrear a origem do gado, o texto do Conselho Europeu pede a identificação de apenas uma coordenada geográfica para terras com menos de dez hectares em vez de um perímetro, o que permitiria identificar um terreno.
Na prática, a informação de um ponto de coordenada geográfica inviabilizaria o rastreio, por não ser compatível com o processo de identificação de desmatamento. Além disso, um dos desafios cruciais para a identificação do desmatamento ligado à criação de carne bovina é justamente o fato de o processo poder envolver mais de uma fazenda.
O transporte do gado de áreas desmatadas ilegalmente para fazendas que operam dentro da legalidade é apelidado de “lavagem de gado” e limita a garantia dada hoje por grandes empresas do setor, que ainda encontram dificuldade em monitorar seus fornecedores indiretos.
A proposta do Conselho também menciona explicitamente que as empresas importadoras “não são obrigadas a obter a informação da localização sobre a origem da soja ou óleo de palma usados para alimentação do gado”.
De acordo com a análise da consultoria Soluções Inclusivas Sustentáveis, se a razão do retrocesso veio de um lobby de exportadores brasileiros, isso é um tiro no pé, já que a elevação recente do desmatamento e a seca dela decorrente têm reduzido muito a produtividade das propriedades rurais brasileiras. A perda somada com falta de ações contra desmatamento pode alcançar US$ 80 bilhões (R$ 386 bilhões) no mundo todo.
Conselho muda prazos para importações livres de desmatamento
Outro recuo aparece na mudança da data a partir da qual as importações devem ser livres de desmatamento: passou de dezembro de 2020, na proposta da comissão, para dezembro de 2021, na versão do Conselho. No Brasil, o Código Florestal prevê punição para o desmatamento feito a partir de 2008.
O prazo para que as importadoras se adaptem às medidas também passa de 12 para 18 meses na proposta do Conselho. O órgão ainda diminuiu a proporção de produtos que devem ser fiscalizados pelas importadoras, passando de 15% para 5% em áreas de alto risco de desmatamento, e chegando a zero em áreas de baixo risco.
Documento enviado por ONGs (organizações não governamentais) europeias aos parlamentares europeus avisa que a redução de 15% para 5% em áreas de alto risco de desmatamento introduz uma brecha perigosa, ao permitir que operadores aleguem fraudulentamente que seus produtos são originários de áreas de baixo risco, para evitar o escrutínio.
A esperança das organizações é que o texto apresentado pelo Parlamento faça contraponto às mudanças sugeridas pelo conselho. A negociação entre os dois órgãos da União Europeia deve resultar no texto que irá à votação no Parlamento em 12 de setembro.
A posição do Parlamento Europeu provavelmente fortalecerá a proposta da comissão, enquanto os Estados-membros em seu recente acordo estão aderindo, na maior parte das questões, à proposta original.
A legislação será um divisor de águas e as taxas de desmatamento vertiginosas no Brasil mostram que ela é altamente necessária, segundo informações divulgadas pela vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu no Brasil e relatora do parecer sobre a legislação de desmatamento na comissão de mercado interno.
A maioria das comissões do Parlamento Europeu já votou a proposta e a comissão de meio ambiente, que é considerada a principal para o tema, deve votar sua resolução entre os dias 11 e 12 de julho.
O texto do Conselho Europeu ainda confirma uma proposta da Comissão Europeia que reduz o escopo de atuação da nova norma apenas a ecossistemas florestais, ignorando o desmatamento em outros biomas.
A consultoria Soluções Inclusivas Sustentáveis explica que a proposta da UE já tinha limitações sérias. Um exemplo é a soja, que está mais concentrada no cerrado do que na Amazônia. O grão é relevante na pauta de exportações, muito mais do que a carne bovina, da qual somente 20% é exportada.
A proposta prevê nova avaliação, daqui a dois anos, sobre a necessidade e a viabilidade de extensão do escopo a outras commodities e ecossistemas.
Na avaliação do Observatório do Clima, retrocessos e o enfraquecimento dos sistemas de controle nesse regulamento são inadmissíveis. Seria a hora de fazer pressão no Parlamento Europeu para corrigir essas lacunas.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias
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