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Evangélicos dominam posts de extrema direita no Brasil, revela estudo

Rede social X, de Elon Musk, é a mais popular entre extremistas brasileiros, segundo pesquisa
22/04/2024 | 18h24

Uma pesquisa inédita mostra que entre os dez publicadores de extrema direita mais influentes nas redes sociais, oito são evangélicos.

Realizado por pesquisadores da UFF e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre novembro do ano passado e janeiro de 2024, o estudo mapeou a movimentação de extremistas ao longo de três meses. As informação são da Deutsche Welle.

Segundo o trabalho, financiado pela Fundação Heinrich Böll, Santa Catarina e São Paulo são os dois principais centros dessas postagens.

“No universo acompanhado pela pesquisa, os atores que se autodeclaram evangélicos são os que mais postam e os que têm maior alcance junto aos seguidores desse espectro político”, diz Christina Vital, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e uma das coordenadoras da pesquisa divulgada nesta segunda-feira (22/04), que mapeou perfis e técnicas usadas pela extrema direita.

Os posts são marcados por publicações curtas e conteúdos que exploram sentimentos de ameaça, medo e desconfiança, e pela repetição de palavras negativas e críticas.

“Em muitos casos, as postagens apenas direcionam o leitor para links que induzem à leitura de outros materiais desse ecossistema”, observa Vital, que dividiu a coordenação da pesquisa com Michel Gherman, professor do Programa de Pós-Gradução em História da UFRJ.

O estudo investigou 191 “atores sociais” de extrema direita, divididos em quatro grupos: políticos, influenciadores, blogs ou sites e antidemocráticos. Deste total, 14 eram mulheres, 111 homens e 66 coletivos — como sites de notícias ou comunidades com histórico de publicações de apoio à tentativa de golpe de 8 de janeiro ou ao ex-presidente Jair Bolsonaro, além de agendas associadas ao extremismo.

Na lista dos oito perfis com maior engajamento no campo evangélico, aparecem nomes como os do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro — única mulher a constar no grupo, segundo a pesquisadora.

Entre as quatro redes sociais analisadas, o X (antigo Twitter) — cujo dono, Elon Musk, fez ataques recentes contra o ministro Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes —, aparece disparado como a mídia mais utilizada pelos perfis extremistas mais populares, seguido por Instagram, Facebook e YouTube.

Extrema direita: posts de 8 de janeiro

No último 8 de janeiro, aniversário de um ano dos atos golpistas em Brasília, um fluxo febril de postagens com ataques contra o STF se disseminou desde cedo em perfis de extrema direita nas redes sociais. Havia também muitas mensagens favoráveis ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Nas postagens, eles tentavam separar a manifestação do vandalismo, e imputar a desordem ao atual governo. Para esses influenciadores extremistas, o STF é o verdadeiro inimigo da democracia. É a chamada ‘retorsão’ do argumento”, explica Vital.

Também no X, uma postagem do perfil Movimento sem Picanha chamou atenção da pesquisadora. A publicação dizia que o 8 de janeiro foi o “dia da traição dos patriotas” e trazia uma imagem das Forças Armadas criada por inteligência artificial, que retratava seus integrantes como melancias, abaixados no chão e pintando faixas no asfalto.

“No linguajar do militarismo, a melancia é associada aos traidores — com o verde por fora, vinculado ao Exército, e o vermelho por dentro, vinculado à esquerda e ao comunismo. Seria mais um indício de que um golpe estava sendo armado, mas foi esvaziado no último minuto pelas Forças Armadas?”, indaga a pesquisadora.

A coleta de dados, feita com um software de inteligência artificial, alcançou 50 milhões de pessoas por dia.

“Em sua maioria, os atores mais atuantes e com maior alcance são homens, brancos, influenciadores, políticos e lideranças religiosas”, diz Vital.

Para o cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Joanildo Burity, o resultado da pesquisa confirma o potencial de mobilização dos evangélicos de extrema direita no Brasil — apesar de o segmento ser minoritário no país.

Projeções de institutos de pesquisa indicam que cerca de 30% da população brasileira, estimada em 230 milhões de habitantes, se identifica como evangélica.

“Em termos numéricos, o segmento de extrema direita não deve ser maior do que 10% da população evangélica. Mas é um grupo militante, com muito acesso à mídia, recursos financeiros e conexões internacionais, o que faz com que tenha uma capacidade de projeção muito maior do que o seu tamanho”, diz o pesquisador.

Estigmatizada por sua associação com a ditadura militar, com os skinheads e com grupos pró-nazismo, a extrema direita não tinha popularidade, nem bases sociais no país, observa Burity. E foi exatamente isso que a militância religiosa trouxe.

“Os evangélicos deram uma base social de massas para o movimento de extrema direita. Se você tirar essa militância religiosa da extrema direita, ela se reduz ao que sempre foi: grupelhos de intelectuais, de empresários, de militares, muito coesos, mas capazes de reunir bem pouca gente”.

As conexões internacionais da extrema direita

Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, conectou extrema direita brasileira com estrangeira (/Elizabeth Frantz/Reuters)

Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, conectou extrema direita brasileira com estrangeira. Foto: Elizabeth Frantz/ Reuters

Para Burity, essa projeção dos evangélicos nas redes não é casual. Ela é facilitada pela formação que eles recebem tradicionalmente nas igrejas para “comandarem a palavra” — o que traz vantagens do ponto de vista da comunicação pública.

Também é resultado de um processo deliberado de mobilização política — inclusive internacional. Apesar de majoritariamente conservadores, do ponto de vista político e moral, os evangélicos não tinham, até pouco tempo, uma posição de extrema direita, muito menos militante, diz o pesquisador.

Essa vinculação foi se construindo: “desde 2017, mais ou menos, começou a haver uma aproximação entre a família Bolsonaro e o Steve Bannon [ex-estrategista de Donald Trump], nos EUA.

O Bannon resolveu investir em um braço do seu movimento, o seu The Movement, no Brasil. E o Eduardo Bolsonaro [deputado federal pelo PL-SP] foi o contato. Eles organizaram eventos, atividades, investiram recursos”.
Além disso, houve uma intensificação da atuação de think thanks de extrema direita americanos no Brasil.

“Não foi algo voltado especificamente para os evangélicos, mas para mobilizar certos segmentos — sobretudo os mais jovens, nesse campo”.

O pesquisador cita ainda uma série de articulações entre evangélicos brasileiros e grupos da extrema direita americana, que envolvem, por exemplo, o Tea Party, ala ultraconservadora do Partido Republicano, e o grupo Capitol Ministries, ligado à direita cristã nos Estados Unidos, que chegou a ter acesso direto à Casa Branca no governo Trump.

O impacto desse segmento hoje pode ser explicado também pela atuação coordenada de pastores, políticos, empresários, teólogos e leigos, que começou há cerca de uma década no Brasil.

“Assim se formou o discurso de alinhamento desses evangélicos em relação a posições altamente reacionárias”.

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