ouça este conteúdo
|
readme
|
A Igreja Universal do Reino de Deus, uma das principais do segmento evangélico no país, é alvo de um processo na Justiça de Pernambuco movido por Manoel Rodrigues Chaves Filho, ex-fiel da igreja, de 50 anos. O homem vendeu sua padaria e doou R$ 31,5 mil à instituição religiosa em troca de “uma mudança positiva de vida”.
Segundo o ex-devoto, após a doação, ele ficou desempregado, terminou o casamento e contraiu dívida com o colégio de sua filha. As informações foram dadas pelo jornalista Jorge Cosme, do “Diário de Pernambuco”.
Nos autos do processo, áudios mostram um pastor da Universal pressionando Manoel a doar valor para a Universal em vez de destiná-lo à própria família. A doação foi feita em novembro de 2017.
O processo foi movido em 2019, com um pedido de restituição do valor entregue e indenização por danos morais. Manoel trabalha atualmente como padeiro.
Em janeiro de 2022, o juiz Carlos Neves da Franca Neto Júnior, da 2ª Vara Cível da Comarca de Olinda, deu sentença parcialmente favorável a ele. A Universal entrou com recurso, que foi negado na última quinta-feira (20).
Ação na Justiça contra a Igreja Universal
Segundo os autos do processo, Manoel frequentava a Igreja Universal localizada na Avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro, Centro do Recife, desde março de 2017. Lá, conheceu o pastor Rodrigo Antonio, que o teria assediado a fazer a doação com a venda da padaria.
O ex-devoto da Universal relata que o líder religioso afirmou que “se ele entregasse o dinheiro, iria ter uma vida completa, a mudança viria de imediato, as pessoas que estavam virando as costas para ele no momento difícil iriam ficar surpreendidas com a prosperidade”. Rodrigo Antonio teria que o fiel conseguiria casa e carros luxuosos, padaria própria e muito dinheiro.
“Agora, é o senhor pegar e preparar o seu sacrifício, esse valor de R$ 30 mil e tudo que vier na mão do senhor. Se tiver mais coisa, o senhor pega e fala assim: ‘vou vender, vou pegar esse dinheiro e botar num envelope'”, diz o pastor em um áudio.
O pastor, também em áudio, fala para Manoel não repartir o dinheiro com a sua esposa, com a qual passava por um processo de separação, e sua filha. “Não toca naquilo que é sacrifício, seu Manoel. Se o senhor tocar, sua vida não vai mudar. (…) Pega o valor, tudo o que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, para Deus te abençoar”.
Manoel afirma que repassou R$ 10 mil em cheque e R$ 21,5 mil em espécie. A transação teria ocorrido no estacionamento da igreja. Ele chegou, após a entrega do dinheiro, a fazer um protesto entrando na igreja em um dia de culto com a foto impressa de Rodrigo Antonio.
“Eu fiquei numa dificuldade muito grande. Tive que colocar minha filha em uma escola pública porque não tinha mais condição de pagar”, disse em entrevista ao “Diário de Pernambuco”.
Manoel cogita reabrir o seu negócio caso a vitória na Justiça se confirme. Ele não voltou a frequentar templos religiosos desde o episódio. “Eu não acho que ele era apenas um pastor ruim dessa igreja. Acho que todos eles são instruídos a enganar as pessoas”, completou.
Juiz se diz convencido de que pastor recebeu ao menos R$ 30 mil
Na decisão, o juiz Carlos Neves destaca que o religioso sabia das condições de vida do padeiro e que ele tirava o sustento da família por meio da padaria. “Sabedor, a toda evidência, de que o promovente ficaria na miséria, o pastor Rodrigo Antônio instigava o promovente a dar continuidade ao seu intento, a ponto de levá-lo a cabo contra a vontade de seus familiares”, diz.
O juiz afirma também estar convencido, pelas conversas de WhatsApp, de que o pastor recebeu pelo menos R$ 30 mil.
O que diz a Igreja Universal?

Homem vendeu padaria e doou R$ 31,5 mil à instituição religiosa em troca de ‘uma mudança positiva de vida’.
A Universal entrou com uma apelação alegando cerceamento de defesa e negando a ocorrência de ato ilícito. A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), de forma unânime, negou o pedido.
A defesa da igreja alega que não há provas do repasse do dinheiro em espécie e que está amparada no exercício da liberdade de organização religiosa ao estimular a doação, não tendo havido coação.
Em nota à imprensa, a Universal declarou que a Constituição Federal e o Código Civil têm normas claras que garantem a liberdade de pedir e fazer doações, protegendo de supostos “doadores arrependidos”. Leia a nota:
“Nenhuma igreja ou instituição assistencialista que depende de doações voluntárias poderia existir se a lei não a protegesse de supostos “doadores arrependidos”. Justamente por essa razão, a Constituição Federal (p.e.: art. 5º, II, IX, XVII e XXXVI) e o Código Civil (p.e.: art. 538 da Lei nº 10.406) têm normas claras que garantem a liberdade de pedir doações, bem como de fazê-las.
Vale ressaltar, também, que o autor desta ação é uma pessoa esclarecida e totalmente apta e capaz de assumir suas próprias decisões, sendo conhecedor dos rituais litúrgicos — até porque, já havia realizado ofertas voluntárias em outros momentos — ao longo do período em que frequentou a Igreja.
Dito isso, a Igreja Universal do Reino de Deus reitera que, em um país laico, como o Brasil, é vedado qualquer tipo de intervenção do Estado — incluindo, do Poder Judiciário — na relação de um fiel com a sua igreja (p.e.: CF, art. 19, I; art. 5º, VI). E, por fim, informa que a Instituição não teve chance de produzir provas para contrapor o autor da ação em primeira instância. Exatamente por isso, apelou ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco — totalmente convicta de que a Justiça e a verdade prevalecerão”.
Relacionados
Débora Rodrigues não foi condenada ‘apenas pelo batom na estátua’, rebatem juristas
Juristas ouvidos pelo ICL Notícias não veem irregularidades e exageros na pena estabelecida pelo ministro Alexandre de Moraes
STF julga Zambelli nesta sexta por perseguição armada a jornalista
Caso de Carla Zambelli ocorreu às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2022
Justiça de São Paulo determina aborto legal em casos de stealthing
'Stealthing' significa a prática de retirada do preservativo sem o consentimento da parceira