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Exército de Israel atirou em mim três vezes, diz jornalista palestina à enviada do ICL

"Eles não respeitam a nossa presença. Andamos na Palestina em grupo. Nunca vamos trabalhar na rua sozinhos", diz Faten Elwan
22/10/2023 | 08h39

Heloisa Villela

Faten Elwan é uma jornalista palestina, nascida na Venezuela, com larga experiência na cobertura de conflitos. Amiga-irmã de Shireen Abu Akleh, repórter da Al Jazira assassinada por um soldado israelense em maio do ano passado.

ICL Notícias – Faten, como as coisas mudaram aqui desde que começou essa ofensiva militar israelense em Gaza?

Faten Elwan – Bom, tudo começou a mudar quando o Exército ganhou mais apoio dos Estados Unidos, no governo Trump. O governo de Israel publicou essa ordem que deu ao Exército o direito a agir de acordo com o que julgasse necessário durante as operações, no território. Isso significa que eles podem apertar o gatilho sempre que se sentem em risco mesmo que sejamos jornalistas. Então, desde 2017 estamos sob ataque intenso, físico e emocional, por parte do Exército israelense.

Eles não respeitam a nossa presença. Andamos na Palestina em grupo. Nunca vamos trabalhar na rua sozinhos. Em Beit Il, que se tornou nosso campo de tortura, é um lugar que eles vêm e nos atacam, nos cobrem de bombas de gás, usam spray de pimenta, te seguram e batem em você sem motivo algum. Só porque não querem que você esteja lá.

(Beit Il é uma área ao lado da cidade de Ramallah aonde os palestinos costumam protestar contra a ocupação israelense do território).

Você me disse que já foi baleada três vezes. Quando foi isso?

A primeira vez foi em 2003. Eu estava voltando para Ramallah. Tinha um posto de controle. Eu estava segurando meu microfone. Claramente uma jornalista. Estava esperando o cinegrafista e do outro lado da rua tinha um soldado que estava apontando a arma dele para mim, diretamente. Eu ainda era uma estudante e me ensinaram na faculdade que se eu mostrasse meu microfone, mostrasse que era uma jornalista, estava segura. Ele apontava a arma e eu brincava com meu microfone deixando claro que era uma jornalista, super nova e estúpida, acreditava no que me ensinaram na faculdade…

Ele apontou a arma uma vez, uma segunda vez e na terceira me deu um tiro na perna. Simples assim. Quando você leva um tiro você não sente dor na hora. Eu fiquei tão furiosa que andei até ele e sacudi ele. Perguntei se ele sabia o que ele tinha feito. E ele: sim, dei um tiro em você. Eu gritei: sai da minha frente.

A segunda vez foi um acidente. Houve uma troca de tiros. A terceira vez foi em Nablus. Depois que terminamos, tinha acontecido uma grande invasão, eu estava usando todo meu equipamento de defesa. O soldado estava a poucos metros de mim. E me perguntou: você já acabou seu trabalho? Eu disse que sim, comecei a tirar meu colete. Ele insistiu: já está indo embora? Eu disse, sim, vocês já mataram quem íam matar, terminaram a operação, estamos indo. Ele esperou eu tirar meu colete, pegou a arma e atirou em mim. Eu e outro cinegrafista que trabalhava para a Al Jazeera.

Aonde ele te acertou?

Fui baleada duas vezes. Uma aqui e outra aqui (aponta para a perna e para o cotovelo)

Você também era muito amiga da Shireen Abu Akleh, assassinada em maio do ano passado…

Ela não era apenas uma amiga, era parte da família. Ela não tinha irmãs, então nos tornamos irmãs.

E apesar de tudo que sabemos sobre a morte dela, ainda não existe justiça…

Não houve justiça. Ontem saiu a conclusão da investigação. A ONU disse claramente que Israel é responsável pela morte dela. Pelo assassinato. Mas o lado israelense disse que não vai responsabilizar o soldado que a matou. Ele não será julgado nem nada. Vai continuar livre para matar quem ele quiser. Ele não será levado à Justiça por ter matado uma alma inocente.

Essa semana os Estados Unidos vetaram uma proposta apresentada pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU para ao menos criar um corredor humanitário no sul de Gaza. O que podemos esperar depois disso?

Temos 500 pessoas assassinadas em um hospital. Um lugar que tem a proteção das leis internacionais e quando o Biden veio nem pensou em apontar o dedo para Israel. Apesar da investigação, do som da bomba e de nós sabermos qual a capacidade que a resistência tem, que não tem esse tipo de bomba.

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