Há exatos 20 anos, o 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra no Brasil. Esta foi a data em que, no “Ano do Senhor de 1695”, Zumbi foi assassinado pelas forças colonizadoras. Nossa carência por reconhecimento oficial das figuras que representam a luta por libertação da população negra escravizada no Brasil jogou, com justiça, todas as luzes sobre a figura do líder quilombola. No entanto, no imagético popular ainda é nebuloso o grupo ao qual ele pertencia: O próprio Quilombo de Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas. O maior das Américas.
O fascínio pelo carisma de Zumbi, seja para endeusá-lo ou para atacá-lo, fez com que a sociedade fora da bolha dos meios acadêmicos e literários falasse menos desta organização de sociedade, que conseguiu a proeza de durar mais de 100 anos. Um século encravado como um punhal na Capitania de Pernambuco das invasões holandesas, da cana de açúcar e do período escravocrata mais renhido, encarniçado e cruel.
Palmares existiu antes e depois de Zumbi. Fizemos de seu lugar de origem e formação o sobrenome de um homem, um apêndice do que não teria sido sem ele, embora seja muito o contrário. Podemos especular vários motivos para que as gerações que não viram “Quilombo”, de Cacá Diegues, ou não leram os livros que esmiúçam o mais famoso dos quilombos, saibam tão pouco sobre Palmares.
Perguntas: O culto à personalidade, vício dos nossos tempos, pode ter feito este trabalho de apagamento da coletividade? Uma literatura e um áudio visual que não fabulam estas histórias em profundidade? As vozes que falam da existência de escravizados que pertenciam aos quilombolas? Como por lá a terra era considerada um bem, seria a paranoia de setores da elite brasileira com o “fantasma do comunismo” e a repulsa por modelos que em alguma coisa lembrassem este sistema econômico?
A Palmares de muita gente
Tudo isto pode ter contribuído, mas certamente uma boa dose de desonestidade intelectual ajudou para que se disseminassem informações rasas e descontextualizadas diminuindo a importância de algo que foi grandioso em números e em sofisticação.
Palmares reproduzia lógicas do contexto africano de se organizar em sociedade. Não há como esquecer que agrupados numa mesma senzala colocaram, por vezes, representantes de povos inimigos.
Porém, a verdade é que a população palmarina estava constituindo um estado paralelo ao da colônia, “um verdadeiro estado negro no Brasil” (LARA, 2010, p. 101) e que crescia vertiginosamente em complexos arranjos que incluíam organização militar e comercial. Palmares passou a atrair quem não se submetia e cada vez mais se tornava importante referência à liberdade e à autonomia. Um perigo para os dominantes..
Segundo as informações do Dossiê da Serra da Barriga, Palmares era enorme, ia de Ipojuca, no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, até Penedo, em Alagoas. Segundo os historiadores, sua população chegou a ter 30 mil habitantes no ápice de sua organização social e política dividida em cidades (Mocambos).
Foram 23 incursões realizadas pelos colonizadores holandeses e portugueses, duas das grandes forças mundiais da época. A última, que destruiu o mocambo da Cerca Real dos Macacos, em 6 de fevereiro de 1694, tinha três comandantes, Bernardo Vieira de Melo, Sebastião Dias e Domingos Jorge Velho. Foi o maior contingente armado que se formou na história do Brasil Colônia, com mais de 20 mil homens e utilizando armas nunca vistas antes, como os canhões para destruir as paliçadas construídas no mocambo.
A organização social e política era definida pelo Conselho dos Maiorais, o qual teve três grandes lideranças, Aqualtune, Ganga Zumba e Zumbi dos Palmares. Uma história que inclui Dandara, Akotirene e muitos personagens que hoje são lendários.
O Zumbi que hoje figura entre os heróis nacionais tinha suas habilidades extraordinárias, mas nada seria sem Palmares e o palmarinos. Ele era um fruto desta federação que amedrontou de forma inédita e definitiva aos poderosos da época. Isto jamais aconteceria no “bloco do eu sozinho”.
É comum ver jovens cerrarem os punhos e afirmarem com toda convicção a frase do poeta Limeira: “Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo”.
Assim será se na reflexão sobre consciência negra, não esquecerem que podemos tirar Zumbi do Quilombo de Palmares, mas jamais tiraremos Palmares de dentro de Zumbi.
Deixe um comentário