O governo federal vai passar um pente-fino na lista de empresas beneficiadas por renúncias ou subsídios fiscais, os quais contribuem para gerar um rombo de R$ 600 bilhões no Orçamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia abordado esse tema em entrevistas concedidas para tratar dos projetos do arcabouço fiscal e da reforma tributária, e voltou a confirmar a ideia em entrevista exclusiva concedida ao jornal O Estado de S.Paulo, publicada nesta segunda-feira (24).
Ao Estadão, Haddad disse que o governo quer abrir o que ele chama de “caixa-preta” das renúncias tributárias, “CNPJ por CNPJ”, medida que vem sendo preparada em conjunto com a AGU (Advocacia Geral da União).
A mudança é necessária para que o governo consiga aumentar a arrecadação, passo fundamental para o sucesso do arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos.
Nas palavras de Haddad, a caixa-preta é a “maior da história”, muito mais alta do que o orçamento secreto, moeda de troca usada ao longo da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para comprar apoio do Congresso, e que drenou milhões em recursos públicos.
“Só estamos pagando R$ 700 bilhões de juros porque estamos pagando R$ 600 bilhões de renúncia. É simples assim”, resumiu o ministro da Fazenda, que pretende cortar ao menos um quarto (R$ 150 bilhões) desse pacote de privilégios a determinados setores empresariais, os quais ele classificou de “jabutis tributários”.
Essas distorções e brechas que levam determinadas empresas a pagarem menos impostos estão classificados como gastos tributários, sendo resultados de isenções, anistias, reduções, deduções, abatimentos e suspensão do pagamento de impostos.
De acordo com Haddad, os gastos tributários são menos visíveis do que as despesas do Orçamento e boa parte está na cobrança do Imposto de Renda. “No Brasil, precisa ser rico para não pagar Imposto de Renda. Sendo rico é que você adquire o direito de não pagar Imposto de Renda”, disse.
Por outro lado, ele prometeu, na entrevista, que não vai mexer no Simples nem retomar a cobrança de tributos sobre a folha de pagamento das empresas. Esses benefícios foram adotados durante o governo do PT.
Antes de aplicar as medidas, porém, Haddad disse que vai discutir com os setores que serão afetados por elas, e afirmou que não teme ser minado no cargo por liderar a agenda com mudanças desse tipo. “Se eu temesse alguma coisa, iria assumir o Ministério da Fazenda nessa conjuntura? Não tem isso. Se você acredita num projeto, tem de defendê-lo.”
Fernando Haddad diz que conversou com presidente do BC sobre mudanças na definição da meta de inflação
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a equipe econômica têm feito críticas contundentes à atual taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano. Para eles, uma taxa de juros nesse patamar é um impeditivo para a retomada econômica.
De seu lado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a Selic nesse patamar é necessária porque o alvo a ser perseguido é a meta de inflação, em 3,25% este ano. Diante da fala, Lula rebateu dizendo que, se o problema é a meta, então, “muda-se a meta”.
Na entrevista ao Estadão, Haddad disse ver com bons olhos mudanças no mecanismo de definição da meta. “Estamos vendo amadurecer o quadro externo, interno. Esse debate está sendo feito no mundo inteiro e não só no Brasil. Nós estamos acompanhando o debate acadêmico, o mercado, como as pessoas estão reagindo. Há divergências entre os economistas. Os mais reputados até estão a favor de uma mudança de meta”, disse Haddad.
O próprio BC teria feito um estudo para a meta não seguir o ano-calendário, como é feito atualmente, mas um objetivo contínuo ao longo do tempo, ideia vista com bons olhos pelo ministro da Fazenda.
Segundo Haddad, “todos os países que adotam meta de inflação é meta contínua”, exceto a Turquia. Por isso, ele afirmou que essa ideia prevista no estudo do BC “faz sentido” para ele.
Ele disse que, formalmente, o BC não apresentou o estudo para ele, mas o presidente da autoridade monetária teria comentado a respeito. “Essa ideia não é minha nem dele. É do mundo inteiro. É a prática mundial. Nós já conversamos sobre isso. E o BC, antes deste governo, já vinha discutindo esse assunto”, frisou.
Ministro diz que passou o tempo de criminalizar arcabouço fiscal
Questionado sobre as críticas que o texto final do projeto do arcabouço fiscal tem recebido, inclusive dentro do PT, Fernando Haddad disse que a regra fiscal não tem precedente em outros países e que, mesmo criticando, a legenda vai votar favorável à proposta. “Ali, todo mundo é adulto”, disse.
Sobre a regra em si, Haddad disse que já passou o tempo de a proposta ser criminalizada. “O enforcement [a ideia de fazer cumprir] que precisa é aquele que estamos propondo na regra: ir limitando a capacidade do Estado se os resultados não forem correspondendo às expectativas estabelecidas pelo próprio governo. Funciona muito parecido com o que é o BC, que é a autoridade monetária, faz”, enfatizou.
Segundo Haddad, “existe a autoridade fiscal [responsável pela sustentabilidade das contas públicas] e a monetária [que fica com o controle da inflação com instrumentos como a taxa básica de juros]. Não se criminaliza o presidente do BC porque ele não cumpriu a meta de inflação, mesmo fora da banda [intervalo para o cumprimento da meta]”, explicou Haddad, respondendo às críticas do mercado e de analistas de que a proposta final pegou mais leve com as punições caso o governo não cumpra as metas estabelecidas.
A proposta, para ele, permite ver o problema “de uma forma mais moderna, que é reconhecer que não existem duas políticas econômicas, uma fiscal e outra monetária”. “O BC não é um espectador do que acontece no sistema econômico. Ele é parte, inclusive, da formação de expectativas – o que nem sempre o BC se vê como. Mesmo quando ele decide sentar na arquibancada e assistir ao jogo de fora, ele está formando expectativa ao tomar essa decisão. E, quando ele entra em campo, está formando expectativa também. É impossível dissociar a política fiscal da monetária. Eu creio que as próprias atas do Copom têm deixado claro que o Ministério da Fazenda está perseguindo a meta de equilibrar as contas de uma maneira nova”, lembrou.
Por fim, ele disse que a proposta do novo arcabouço propõe “o equilíbrio das contas” com “o fim das regalias a quem não precisa delas, e não com o corte de saúde, educação e salário mínimo – como vem acontecendo de sete anos para cá”.
Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo
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