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General citado por Bolsonaro intermediou contatos com empresa de Israel responsável por equipamento espião

O CCOMGEx, que era comandado pelo general Antonino Neto, fez os primeiros contratos com israelenses investigados pela PF
19/07/2024 | 19h05

Por Igor Carvalho e Ananias Oliveira — Brasil de Fato

O já famoso áudio gravado por Alexandre Ramagem (PL-RJ) em reunião que contou com a presença do então presidente Jair Bolsonaro (PL) trouxe para o meio das discussões políticas algumas organizações estatais que não estão entre as mais conhecidas do grande público.

Entre elas, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), cujo diretor, à época, o general Antonino dos Santos Guerra Neto, foi um dos responsáveis pelos primeiros contratos com o governo brasileiro da Verint Systems Inc., empresa responsável pelo programa de espionagem usado no esquema que ficou conhecido como Abin paralela.

Reunião gravada

A reunião gravada aconteceu em 25 agosto de 2020 para tratar da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), acusado de manter um esquema de “rachadinha” em seu gabinete quando era deputado estadual. Na ocasião, o então presidente, pai do parlamentar, sugeriu que o Serpro fosse consultado para cooperar com o processo.

Estavam na reunião, além de Jair Bolsonaro, o hoje deputado federal Alexandre Ramagem, à época chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o general Augusto Heleno, que era ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach.

O encontro foi gravado em áudio, localizado pela Polícia Federal. O arquivo estava em um dos seis celulares e quatro notebooks recolhidos de Ramagem durante a operação Vigilância Aproximada, que investiga o monitoramento ilegal de pessoas e autoridades públicas, conhecido como Abin paralela, deflagrada em 25 de janeiro deste ano. Na última segunda-feira (15), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo sobre a gravação.

Em determinado momento da reunião, Bolsonaro pergunta aos demais participantes do encontro: “A quem interessa para a gente resolver esse assunto?”. Bierrenbach sugere que o grupo procure o Serpro. O ex-presidente, então, responde: “Eu falo com o Canuto”. Ramagem sentencia: “Fala com o Canuto para saber do Serpro. Fala com o Canuto pra saber do Serpro, tá?”.

O general Antonino Neto era diretor do Serpro, quando Bolsonaro pediu que a estatal fosse consultada sobre a investigação contra seu filho. Foto: Serpro

Gustavo Canuto foi ministro do Desenvolvimento Regional no primeiro ano do governo de Bolsonaro e foi transferido, no início de 2020, para a presidência da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), estatal de processamento de dados.

O Brasil de Fato mostrou, na terça-feira (16), que, oito dias após a sugestão de Jair Bolsonaro, o alto-comando do Serpro se reuniu com a Secretaria-Executiva da Presidência da República, em Brasília. O encontro aparece na agenda do general Antonino dos Santos Guerra Neto, que era diretor da estatal na data da reunião.

Última Milha

Neto, ou general Antonino, como é conhecido no meio militar, foi chefe do Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (CCOMGEx) entre 2009 e 2014. Em 11 de fevereiro de 2019, um mês e meio após Bolsonaro assumir a presidência da República, o general foi nomeado para o cargo de diretor do Serpro.

Entre 2012 e 2014, sob o comando de Antonino, o CCOMGEx assinou os seis primeiros contratos entre o governo brasileiro e a Verint Systems Inc., para a compra de equipamentos de espionagem entregues às Forças Armadas.

Também sob a chefia do general Antonino, foram adquiridos da Verint o Sistema de Guerra Eletrônica Ativo, Acessórios de Guerra Eletrônica, Módulo de Localização, Módulo de Interceptação MMS e Módulo de Multi-Usuários.

Aqui, entra a Cognyte Software Ltda., empresa israelense do grupo da Verint, também especializada em desenvolvimento de produtos de inteligência e tecnologia. Entre eles, o “First Mile – Geolocalização Celular Remota”, software de espionagem que permite o monitoramento de até 10 mil celulares por 12 meses.

Ao registrar o número do celular no First Mile, o software identifica a localização do dispositivo e passa a acompanhar e registrar qualquer movimentação do aparelho. O software foi adquirido pela Abin em 2018, durante o governo do então presidente Michel Temer (MDB), em dois contratos que somam R$ 8,1 milhões.

No Brasil, o braço da Verint Systems é a Suntech S/A, que se tornou alvo da operação “Última Milha”, desencadeada no dia 20 de outubro de 2023, pela Polícia Federal. Na época, foram cumpridos 25 mandados de prisão e dois servidores da Abin foram afastados.

A alcunha da operação, Última Milha, faz referência ao nome do software First Mile, cuja tradução literal é “primeira milha”. A Polícia Federal investiga o uso do programa de monitoramento eletrônico pela Abin paralela.

A suspeita é que o software teria sido utilizado ilegalmente, entre os anos de 2021 e 2022, para investigar e monitorar opositores ao governo de Jair Bolsonaro, incluindo figuras políticas proeminentes, jornalistas e ministros do STF.

Outro lado

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com o Centro de Comunicação Social do Exército Brasileiro. Em resposta via e-mail, órgão informou que o Exército “não se manifesta sobre processos em curso, conduzidos por outros órgãos pois esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”.

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