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Cristina Serra

Paraense de Belém, jornalista e escritora. Formou-se em jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Trabalhou nos jornais Resistência, Leia Livros, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, revista Veja e Rede Globo. Tem quatro livros publicados. Atualmente, é comentarista do ICL Notícias.

GLO é um risco e não resolve falta de segurança no Rio

Cláudio Castro quer partilhar seu fracasso com Lula
08/11/2023 | 05h45

A operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), iniciada nesta semana, como parte da resposta do governo federal à crise de segurança no Rio de Janeiro tem um vício de origem: o emprego de militares em atividades que fogem às atribuições das Forças Armadas definidas pela Constituição. Até maio de 2024, serão 3.700 militares com poder de polícia em portos e aeroportos estratégicos do país.

Sempre que há uma crise na segurança, governos têm recorrido às fileiras para dar à população uma sensação de que as coisas estão sob controle. É certo que esta GLO se distingue de exemplos anteriores. Não é uma intervenção federal como a de 2018, no Rio de Janeiro, também num contexto de crise de segurança. A operação de 2018, instituída pelo golpista Michel Temer, teve ninguém menos do que o hoje inelegível Braga Neto como comandante. A execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes é autoexplicativa sobre o fracasso da intervenção.

O problema de operações de segurança pública com a atuação de militares é o fortalecimento da percepção dos próprios militares (e de parte da população) de que só eles podem resolver situações que os civis não tiveram competência para solucionar. É isso que dá ainda mais argumentos para aqueles que enxergam nos militares um tal poder moderador ou de tutela sobre os poderes civis da República. Já sabemos onde isso vai dar.

Valho-me aqui da análise brilhante do historiador Manuel Domingos Neto, que acaba de publicar o livro “O que fazer com o militar” (editora Gabinete de Leitura). O livro aborda a necessidade de uma reforma militar a partir de uma nova concepção de Defesa Nacional. O historiador explica que o Estado precisa definir o papel das corporações militares, hoje envolvidas em tarefas que nada tem a ver com o preparo para defender o país de agressores estrangeiros. Uma delas é exatamente a atuação em operações de segurança em que os fardados exercem papel de polícia. Isso cria, segundo Manuel Domingos, um transtorno de personalidade no militar. Recomendo muito a leitura para que entendam a sofisticação do pensamento do historiador, que aqui apenas resumi.

É compreensível que o governo Lula queira contribuir para a solução da falta de segurança no Rio, que, de fato, cobra um preço incomensurável de seus moradores, sobretudo dos mais pobres submetidos à tirania de traficantes e milicianos. Mas o combate ao crime depende de investigação e trabalho de inteligência para desarticular as quadrilhas, asfixiar financeiramente o tráfico e a milícia e impedir a entrada de drogas e armas no país. É o famoso bordão: “siga o dinheiro”. O que militares têm a ver com isso? Nada.

Convém lembrar que eles não conseguem evitar nem mesmo o furto de armas de dentro dos quartéis, com a participação dos seus fardados. Foi o que se viu recentemente, no Arsenal de Guerra de Barueri, de onde foram furtados 21 fuzis e metralhadoras. “Não foi uma ação externa, de fora para dentro. Foram pessoas nossas que colaboraram para essa subtração”, admitiu, dia atrás, o chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Sudeste, general Maurício Vieira Gama. E para onde iriam essas armas? Alguma dúvida? Parte delas, já encontrada pelos investigadores, se destinava a uma facção criminosa do Rio.

Falta de segurança no Rio não é uma “crise”. É um estado permanente de tal forma que famílias, sem qualquer apoio do governo, levam a vida do jeito que dá, mudam-se de comunidades onde são ameaçadas, correm risco de vida, são forçadas a entregar suas casas para os bandidos e a pagar taxas exorbitantes de… segurança. A sensação é de que não há solução no horizonte. Mas há e não é GLO.

O combate a traficantes e milicianos no Rio de Janeiro depende também de uma reestruturação ampla e profunda do aparelho de segurança pública. Seria quase como começar do zero, dado o grau histórico de corrupção nas polícias fluminenses. Não me parece que Cláudio Castro seja talhado para tarefa de tal envergadura. Incapaz de dar respostas efetivas à violência exacerbada das milícias e de traficantes, Castro está querendo repartir o ônus de seu fracasso com Lula.

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