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Governo Bolsonaro recebeu no Planalto e no Alvorada criminosos

Nenhum dos deputados de extrema direita pediu a punição do ex-presidente Bolsonaro ou de seus ministros por causa dos encontros suspeitos
14/11/2023 | 15h50

Por Chico Alves e Nicolás Satriano

O acesso de criminosos ou de pessoas suspeitas de ligação com o crime a autoridades do governo federal virou tema de discussão desde que o jornal O Estado de S. Paulo publicou ontem que Luciane Barbosa, esposa de um chefe do Comando Vermelho no Amazonas, esteve no Ministério da Justiça e Segurança Pública em duas ocasiões. A mulher é condenada em segunda instância a 10 anos de prisão, mas recorre da acusação em liberdade e foi recebida por quatro servidores graduados.

Como era de se esperar, o episódio foi explorado à exaustão pela extrema direita nas redes sociais. Carla Zambelli (PL-SP) iniciou campanha pedindo impeachment do ministro Flávio Dino; Carol De Toni (PL-SC) protocolou pedido para que Dino e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida (onde Luciane também esteve), sejam convocados a se explicar no Congresso e Kim Kataguiri (União Brasil-SP) acusou o ministro da Justiça de “envolvimento estranho com o CV”.

Não se viu por parte dos políticos de extrema direita essa mesma indignação quando integrantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, apoiado por eles, foram flagrados em situações semelhantes e até piores.

ENCONTRO DO VICE MOURÃO COM CHEFÃO DO TRÁFICO

Não foi um secretário do Ministério da Justiça, mas sim o então vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que no dia 9 de março de 2019 abriu as portas do Palácio do Planalto para um dos maiores traficantes de cocaína do Brasil (a foto do encontro está na abertura dessa matéria). O caso foi revelado pela Agência Sportlight, que publicou matéria sobre a visita de Milton Constantino ao vice de Bolsonaro.

Constantino foi preso pela Polícia Federal no ano seguinte à visita, durante a operação “Enterprise”, por tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa.

A matéria de Lúcio de Castro, na Agência Sportlight, mostra que a ficha criminal de Constatino já era robusta no momento da reunião com p vice de Bolsonaro.

“Ainda que a visita tenha precedido a prisão do traficante, o prontuário de chefe de uma organização criminosa internacional já era bastante conhecido anteriormente a ida ao palácio: Em 2011, Milton Constantino já havia sido condenado a onze anos de prisão por formação de quadrilha, falsificação de documento público e receptação. A pena prescreveu em 2014, sem punição. E na ocasião da visita, o reservista estava sob investigação da PF” , diz a reportagem.

Segundo o site, Constantino, que é ex-militar, esteve no Planalto com outros quatro reservistas para sugerir “uma série de propostas visando, em especial, uma participação mais efetiva dos reservistas das Forças Armadas Brasileira junto à sociedade brasileira, auxiliando na promoção da cidadania, patriotismo e fortalecendo a Associação de Reservistas”.

O grupo viajou até Brasília em um avião usado pela gangue para transportar cocaína. Segundo investigação da PF, Constantino era o número 2 da quadrilha do ex-major da Polícia Militar Sérgio Roberto de Carvalho, considerado o maior traficante brasileiro em atividade.

A Agência Sportlight enviou e-mail para o gabinete do agora senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) pedindo para comentar questões relativas ao episódio, mas não obteve resposta.

PASTORES DE BOLSONARO OPERANDO NO MEC

Ex-ministro Milton Ribeiro com pastor Arilton Moura, acusado de cobrar dinheiro de prefeituras para liberar verba do MEC (Foto de Luis Fortes – MEC)

Outro caso que ganhou as manchetes foi o dos pastores Arilton Moura Correia, que esteve 35 vezes no Palácio do Planalto desde o início do governo Bolsonaro, e Gilmar Silva dos Santos, que passou pela sede do governo 10 vezes no mesmo período. Ambos foram investigados por atuarem como lobistas no Ministério da Educação, então comandado por Milton Ribeiro, e distribuírem verbas da pasta.

Ribeiro pediu demissão do cargo de ministro no dia 28 de março de 2022, em meio às denúncias sobre um esquema informal de obtenção de verbas envolvendo os dois pastores sem cargo público.

A Folha, de S. Paulo divulgou áudios em que o próprio ministro afirma que sua prioridade no MEC eram as prefeituras que mais precisam e, em seguida, “todos que são amigos do pastor Gilmar”. Ele diz aos prefeitos e religiosos que participaram da conversa que a prioridade foi estabelecida por uma solicitação direta de Bolsonaro. Por isso, permitiu que os pastores agissem como intermediários, mesmo sendo de fora do serviço público.

“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, disse. O ministro complementa que o pedido de apoio não é segredo e que visa a construção de igrejas. Porém, durante a investigação, prefeitos contaram à PF que os pastores cobravam quantias em dinheiro e até em ouro para liberar verbas do MEC para os municípios.

INTEMEDIÁRIOS DE VACINA SUPERFATURADA

No Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello se encontra com intermediário que oferecia Coronavac pelo triplo do preço (Reprodução de vídeo)

Quando ainda era ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, hoje deputado pelo PL do Rio de Janeiro, recebeu intermediários para negociar a compra de doses da vacina Coronavac. A reunião aconteceu fora da agenda oficial do então ministro no dia 11 de março de 2021, dias antes de sua exoneração.

A proposta oferecida ao ministro era de US$ 28 por dose da vacina, um valor quase três vezes maior do que o contrato com o Instituto Butantan, que já estava firmado pelo governo brasileiro desde janeiro. Pazuello aparece em um vídeo ao lado de quatro pessoas e afirma que a possibilidade de negociar 30 milhões de doses da vacina “no mais curto prazo possível”.

“Saímos daqui hoje com o memorando de entendimento assinado”, afirmou o ministro.

Um dos vendedores, identificado como “John” por Pazuello, aparece em um vídeo agradecenso a recepção do ex-ministro e afirma que outras parcerias poderiam ser realizadas no futuro “com tanta porta aberta que o ministro propôs”.

A Comissão de Ética do Governo Federal abriu procedimento para investigar um suposto desvio ético do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde.

BOLSONARO SE ENCONTRA COM HACKER CONDENADO

Deputada Carla Zambelli intermediou encontro de Walter Delgatti com Jair Bolsonaro, no Alvorada.

O hacker Walter Delgatti, conhecido pela invasão de dispositivos de autoridades durante a operação Lava-Jato, teve um encontro com o presidente Jair Bolsonaro (PL) no Palácio da Alvorada na manhã de 10 de agosto do ano passado.

A conversa foi intermediada pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e teve a presença também do presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto.

Quando se encontrou com Bolsonaro, a ficha criminal de Delgatti era bem conhecida: foi condenado em segunda instância em 2013 por desviar cerca de R$ 600 mil de um banco; em 2015 foi condenado por estelionato; em 2018, foi indiciado por tráfico de drogas e falsificação de documentos e no momento do encontro já era nacionalmente conhecido por invadir contas de autoridades no Telegram, entre elas as de integrantes da força-tarefa da Lava Jato, como o ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallagnol – o que resultou em pena de 20 anos de prisão, decidida em agosto deste ano.

O encontro com Bolsonaro nada teve de fortuito: segundo Delgatti contou na CPMI do 8 de Janeiro, o ex-presidente teria lhe prometido um indulto para que ele tentasse fraudar as urnas eletrônicas e colocasse em dúvida a lisura das eleições. Também foi pedida sua participação em um grampo em Alexandre de Moraes.

Ou seja, ao contrário do que aconteceu no Ministério da Justiça na visita de Luciane Barbosa, o encontro com Bolsonaro no Alvorada nada teve de protocolar: na ocasião foi planejado um crime, segundo contou o hacker, executado algum tempo depois.

Apesar disso, nenhum dos deputados de extrema direita pediu a punição do ex-presidente por esse motivo. Também não há pedido de explicações ou cobrança aos ministros de Bolsonaro que tiveram encontros com um criminoso de alta periculosidade (como foi o caso de Hamilton Mourão), com um atravessador que pretendia superfaturar a compra de vacinas (no caso de Eduardo Pazuello) ou ao que foi conivente com atravessadores das verbas do MEC (no caso de Milton Ribeiro).

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