As eleições nem acabaram, mas o governo federal já arregaça as mangas para dar nova apunhalada em quem depende do salário mínimo para sobreviver. O ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem operado como um dos principais cabos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, trabalha em um plano econômico que prevê a reformulação do teto de gastos, modificando principalmente a forma de reajuste do salário mínimo e outros benefícios atrelados ao piso nacional. Na prática, o reajuste do mínimo passaria a considerar a inflação projetada para o ano corrente, em vez de ficar vinculada à inflação do ano anterior, como é feito hoje.
Grosso modo, Guedes quer abrir a porteira para que o governo possa gastar além do teto de gastos, mecanismo criado no governo de Michel Temer para limitar o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior. Ao longo da atual gestão, essa regra fiscal já virou praticamente uma peneira. O cumprimento da regra do teto virou exceção durante o governo de Bolsonaro, eleito sob promessas de austeridade fiscal. Em quatro anos de mandato, o presidente já estourou o teto em R$ 213 bilhões, principalmente para colocar em prática medidas eleitoreiras.
Defendido por liberais como sinal de responsabilidade administrativa, o teto é criticado por muitos economistas por limitar os investimentos governamentais em áreas sociais enquanto privilegia repasses ao sistema financeiro. Ou seja, os bancos seguem recebendo enquanto os mais necessitados sofrem com os cortes.
De acordo com reportagem publicada na edição de hoje (20) do jornal Folha de S.Paulo, a proposta de Guedes só deve ser oficializada depois do segundo turno das eleições, em 30 de outubro, e será apresentada em forma de PEC (Proposta de Emenda à Constituição).
O plano de Guedes é chamado de “novo marco fiscal”, com o objetivo de reforçar o chamado tripé macroeconômico (câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais). Segundo o jornal, a permanência do ministro em um eventual segundo mandato de Bolsonaro é condicionada à aceitação desse plano pelo novo governo. Bolsonaro já acenou que Guedes permanecerá.
Pela reportagem, o desenho da nova arquitetura fiscal afastaria a necessidade de uma licença para gastos extrateto (chamado de “waiver”). Assim, o governo acomodaria cerca de R$ 100 bilhões adicionais dentro do teto em 2023, honrando promessas eleitorais como a manutenção do piso do Auxílio Brasil em R$ 600, o pagamento de um décimo terceiro para beneficiárias mulheres e a recomposição de verbas para programas como o Farmácia Popular.
Porém, o projeto prevê apunhalar quem depende do salário mínimo, pois prevê a desindexação do piso e dos benefícios previdenciários, que hoje são corrigidos pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior. Isso garante ao menos a reposição da perda pelo aumento de preços observado entre famílias com renda de até cinco salários mínimos.
No projeto de Guedes, novo reajuste do mínimo, de aposentadorias e benefícios será feito com base em inflação projetada
Obtido pela Folha, o plano preparado por Paulo Guedes indica que “o salário mínimo deixa de ser vinculado à inflação passada”. Na nova regra, o piso “considera a expectativa de inflação e é corrigido, no mínimo, pela meta de inflação”. O gasto com benefícios previdenciários “também deixa de ser vinculado à inflação passada”. Isso significa que a margem de reposição de perdas salariais será alargada.
Pela Constituição, o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e de sua família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência. Sendo assim, o valor necessário medido pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) é 5,2 vezes maior do que o salário mínimo em vigência no Brasil, de R$ 1.212,00.
O mínimo necessário, em agosto, era de R$ 6.298,91, e passou a ser de R$ 6.306,97 em setembro. É a primeira alta no salário mínimo necessário desde abril deste ano, quando o Brasil estava no pior momento inflacionário em 2022.
O plano de Guedes abre a possibilidade de uma correção abaixo da inflação nos benefícios previdenciários, que têm despesas projetadas em R$ 859,9 bilhões para o ano que vem, e do salário mínimo. O piso nacional afeta também os gastos com seguro-desemprego.
Outra discussão é mudar o índice usado para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a variação de preços sentida por famílias com renda de até 40 salários mínimos — e que costuma ser menor do que o INPC.
Importante salientar que as mudanças no salário mínimo influem em todas as discussões salariais envolvendo o mercado de trabalho. Outro levantamento do Dieese mostra que cerca de metade das negociações salariais ocorridas no mês de agosto rendeu reajustes salariais abaixo do INPC, o que Isso significa que, sem recomposição integral das perdas inflacionárias dos últimos 12 meses, a renda do trabalhador brasileiro perdeu poder de compra. Do total de negociações, 49% resultaram em reajustes abaixo do indicador.
Ou seja, com o plano de Guedes, o abismo salarial deve aumentar no país. Para se ter uma ideia da dimensão da mudança, o INPC de 2021 teve alta de 10,16%, percentual usado na atualização do salário mínimo para R$ 1.212. Caso apenas a meta de inflação de 2022 fosse aplicada, a elevação seria de 3,5%. Se a opção fosse pela expectativa do início do ano para o IPCA em 2022, o reajuste seria de 5,03%. Os detalhes ainda estão em discussão e não são definitivos.
Vale lembrar que o governo Bolsonaro garante no Orçamento de 2023 os R$ 19 bilhões para bancar o orçamento secreto, moeda de troca com congressistas da base aliada, montante negociado sem respeitar o princípio da transparência. Por outro lado, o valor do salário mínimo previsto na peça orçamentária entregue em agosto ao Congresso é de R$ 1.302, ou seja, sem aumento real pelo quarto ano seguido. O valor proposto pelo governo representa R$ 90 a mais em relação ao piso atual, fixado em R$ 1.212.
A última vez que o piso nacional foi reajustado acima da inflação foi no início de 2019, em um decreto assinado por Bolsonaro, seguindo a política de valorização aprovada em lei ainda no governo Dilma Rousseff (PT).
Além disso, a proposta de Guedes também prevê a retirada de certas despesas do teto de gastos. Entre elas, as não recorrentes que fossem bancadas por uma diminuição do Estado, com a venda de ativos (como estatais). Na opinião do ministro, as receitas com essas operações podem, inclusive, abastecer o chamado Fundo Brasil, instrumento planejado por ele para receber recursos com as privatizações e destinar 50% do montante à redução da dívida pública. Outros 25% seriam destinados a investimentos e os 25% restantes a beneficiários do Auxílio Brasil.
Ainda de acordo com a Folha, parte da equipe econômica teria alertado Guedes de que as medidas propostas por ele podem pressionar ainda mais a dívida pública, que já se encontra em patamar elevado.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo
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