ICL Notícias

Por Chico Alves

As cenas a que o mundo assiste horrorizado desde o dia 7 de outubro, no conflito entre Israel e Hamas, podem render punição às autoridades que promovem esse banho de sangue?

Uma das vozes mais abalizadas a responder essa pergunta é Sylvia Steiner, brasileira que entre 2003 e 2016 atuou como juíza no Tribunal Penal Internacional (TPI), única instância planetária a julgar crimes dessa importância.

Nessa entrevista ao ICL Notícias, ela faz a avaliação do conflito à luz dos parâmetros do TPI.

Sylvia, que é desembargadora aposentada, discorda da avaliação daqueles que classificam a ação do governo israelense como genocídio. Para ela, os delitos cometidos pelo governo israelense são de outro tipo.

Ela responde também sobre as consequências práticas de uma condenação no tribunal, já que chefes de Estado como Vladimir Putin não são levados para a cadeia mesmo após sentenças desfavoráveis.

“O tribunal, para qualquer das suas funções, depende de cooperação internacional”, diz ela.

ICL Notícias – No âmbito de atuação do Tribunal Penal Internacional, quais crimes a sra. pode apontar no conflito Israel-Hamas?

Sylvia Steiner – No meu entender, estão sendo cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Crimes de guerra por parte do Hamas, por exemplo. O ataque inicial trata-se de um crime de guerra, que pode também ser entendido como crime contra a humanidade, na medida em que essas duas figuras se referem a ataques indiscriminados ou generalizados contra a população civil como um todo.

Como crime de guerra mais específicos, a tomada de reféns é um crime de guerra, descrito no Estatuto de Roma, e também o uso de civis como escudos humanos, também é crime de guerra.

Da parte de Israel, também têm sido cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade, ataques indiscriminados contra a população civil. É tanto crime de guerra quanto crime contra a humanidade impedir a chegada de ajuda humanitária e de provimentos, fazendo esse tipo de cerco. O ataque a bens civis e a bens protegidos, como a hospitais, ataques indiscriminados.

Então, as duas partes estão cometendo crimes contra a humanidade, crimes de guerra.

Os seguidos bombardeios das forças israelenses contra a população civil de Gaza configuram genocídio?

Embora já muitas vozes tenham afirmado que se pode, sim, caracterizar crime de genocídio, eu, por enquanto, acho que não há provas para indicar que a intenção por parte de Israel seja eliminar a população palestina. A intenção me parece muito mais voltada a tirar essa população de seu território, para que possa ser ocupado pelos israelenses. Então, este seria um crime de perseguição, pode ser um crime de apartheid, mas acho que as provas ainda não apontam para genocídio.

Que tipo de ação prática o tribunal pode ter nesse caso? É possível aplicar sanções às autoridades envolvidas ou ao governos envolvidos?

O Tribunal Penal Internacional desde 2019 abriu uma investigação sobre fatos ocorridos principalmente a partir de 2014, em que houve uma grande investida do governo de Israel em áreas ocupadas pelos palestinos. Mas já naquela ocasião, afirmava a procuradora que tudo seria investigado, não só em relação a possíveis atos praticados por israelenses, mas também aos atos praticados pelo Hamas. Então, as investigações do tribunal, a procuradoria, têm por obrigação investigar todos os lados envolvidos nos conflitos ou em crises humanitárias. Não seria só investigação de um dos lados.

E e em relação às consequências, o tribunal não pune Estados ou grupos. O tribunal pune pessoas. Se essas investigações forem levadas adiante, a procuradoria do tribunal vai ter que identificar os maiores responsáveis e trazer esses responsáveis a julgamento. E esse julgamento culmina com uma decisão que se for condenatória, é a pena de prisão. Então, não são sanções administrativas ou políticas. Quem pode aplicar sanções políticas é a ONU. O Tribunal Penal Internacional aplica sanções penais a pessoas que forem consideradas responsáveis pelos atos ocorridos.

Mesmo assim, parece improvável que algum tribunal possa prender um governante como Netanyahu, por exemplo, ou como os líderes do Hamas. Acha que o funcionamento do tribunal precisa ser reformado para aumentar a eficácia?

Em primeiro lugar, não pode se falar em condenação se ainda nem começou um processo. Então, vamos com calma. O Tribunal já expediu mandado de prisão contra o Putin. Evidentemente, o tribunal não tem polícia para entrar em um país e prender um chefe de Estado. Isso tudo depende da cooperação internacional. O tribunal, para qualquer das suas funções, depende de cooperação internacional.

Então, hoje Putin é presidente. Amanhã ou daqui a um ano, daqui a dez anos, não vai ser mais. E daí, quem sabe, aquele que o substituir acabe por prendê-lo e entregá-lo ao tribunal. É o que acontece também nos dois mandados prisão contra o então presidente Albachir (do Sudão) e que não foram cumpridos porque não entregaram Albachir ao tribunal. Sim, uma jurisdição internacional tem essa dificuldade, porque depende da cooperação dos estados. Quando há interesse político cooperam, quando não há interesse político, não cooperam.

O importante é ver que existe um tribunal que vai atuar para julgar, processar aqueles acusados de cometerem crimes. Agora, se isso vai acabar levando à prisão da pessoa, isso vai depender única e exclusivamente da vontade dos estados de cooperarem com o tribunal e cumprirem os mandados ou não.

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