Pode não bastar ao governo eleito manter o Auxílio Brasil em R$ 600 no ano que vem por conta da alta da inflação. A equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem se esforçado para negociar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, cuja finalidade é recompor o Orçamento de 2023 para que o petista consiga cumprir suas promessas de campanha, como a manutenção do benefício no valor que está hoje. Contudo, Lula pode esbarrar na inflação dos alimentos, que tem disparado nos últimos meses e corroído o poder de compra dos mais pobres.
Lula elegeu o combate à fome e à pobreza como a principal bandeira de campanha e, como dito, a equipe de transição está negociando ajustes na peça de ficção orçamentária apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para conseguir incluir o pobre no Orçamento do ano que vem. No entanto, a realidade mostra que a inépcia do governo atual somada aos efeitos da pandemia de Covid-19 tornou o problema ainda maior.
Pesquisa recente mostrou que cerca de metade dos brasileiros tem contraído empréstimos para comprar comida ou pagar dívidas. Já na última edição do Economia para Todos – Boletim Diário de Notícias Econômicas e Atualização do Mercado, os economistas do ICL Débora Magagna e André Campedelli mostram que o impacto da inflação para a camada mais pobre da população ocorreu devido à alta dos alimentos. Já para os mais ricos, pesou o custo dos bens mais supérfluos.
O fato é que, desde 2018, o custo dos alimentos vem subindo bem acima da inflação, devido a uma série de fatores, como alta nos preços internacionais e mudanças em políticas públicas, como a redução dos estoques reguladores. Somam-se a esse caldeirão os efeitos climáticos adversos, a guerra na Ucrânia que não tem data para acabar e o dólar valorizado.
Durante a campanha, Lula já havia dito que, se fosse eleito, retomaria os estoques reguladores como forma de controlar os preços para combater a inflação e ajudar as famílias de pequenos produtores.
No último levantamento divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o valor da cesta básica havia subido em 12 das 17 capitais brasileiras pesquisadas pelo órgão. Entre setembro e outubro, as altas mais expressivas ocorreram em Porto Alegre (3,34%), Campo Grande (3,17%), Vitória (3,14%), Rio de Janeiro (3,10%), Curitiba e Goiânia, ambas com 2,59%).
Em Porto Alegre, a cesta básica apresentou o maior custo do país (R$ 768,82), seguida por São Paulo (R$ 762,20), Florianópolis (R$ 753,82), Rio de Janeiro (R$ 736,28) e Campo Grande (R$ 733,65). Nas cidades do Norte e Nordeste, onde a composição da cesta é diferente, os menores valores médios foram registrados em Aracaju (R$ 515,51), Recife (R$ 558,40), João Pessoa (R$ 559,57) e Salvador (R$ 562,59).
Ou seja, o valor de R$ 600 do Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família, não é suficiente para uma família comprar uma cesta em algumas localidades do país. Ainda segundo o Dieese, para que o salário mínimo conseguisse suprir todas as necessidades das famílias, o valor necessário, em outubro, deve ser de R$ 6.458,86 e não os R$ 1.212 atuais.
Inflação dos alimentos: preços de itens básicos subiu, em média, 44% de 2018 a 2021, quase o dobro do IPCA (24%)
Os preços dos alimentos subiram, em média, 44% de 2018 a 2021, quando o dobro da inflação oficial, que ficou em 24% no período. No Rio de Janeiro, o custo da cesta básica passou de R$ 443,81, em janeiro de 2018, para R$ 736,28, em outubro de 2022, alta de 66%. Em São Paulo, o aumento foi de 73% no período (de R$ 439,20 para R$ 762,2), segundo dados do Dieese.
Enquanto isso, a renda média do trabalhador encolheu 7,61% no período — ainda que, após um movimento de recuperação, a queda acumulada de 2018 até o terceiro trimestre deste ano seja de 1,76%, para R$ 2.737, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em entrevista ao jornal O Globo, Luiz Roberto Cunha, economista e professor da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), disse que a alimentação no domicílio deverá encerrar 2022 com alta em torno de 13% e 14%, mais que o dobro do esperado para a inflação geral, que deve ficar perto de 6%. “O patamar de preços está elevado. E, mesmo que agora tenhamos uma variação mais baixa, os preços estão altos para a renda média do brasileiro, que não cresceu nesse período. É grave”, frisou.
A situação fica ainda mais grave quando consideramos que, hoje, 33 milhões de pessoas no Brasil estão em grau de insegurança alimentar severa, enquanto mais da metade (58,7%) está sob algum grau de insegurança alimentar, conforme dados da Rede Penssan.
Como os cenários internacional e nacional para o ano que vem não devem trazer alívio, serão necessárias, mais do que nunca, políticas públicas para minorar o sofrimento impingido à população mais vulnerável, como a retomada dos estoques públicos abandonados pelo governo Bolsonaro e que Lula vislumbra retomar.
Essa medida pode ser crucial para reduzir o impacto de outros grãos sobre as plantações de arroz e feijão. Segundo o IBGE, no período de 2006 a 2022, a produção de arroz e feijão deu lugar à de milho e soja no país. De acordo com dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola do IBGE, a área de plantio de arroz caiu 44% no período, enquanto a de feijão, 32%. Por outro lado, o espaço da produção de soja subiu 86% e o do milho, 66%. Essa inversão ocorreu principalmente porque os produtores conseguem exportar os dois grãos, cujo maior principal comprador é a China.
Da Redação ICL Economia
Com informações de O Globo
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