Por Chico Alves
Durante 10 anos, Thiago de Souza estudou música clássica na USP, tocou piano, violão e acabou conquistando o título de doutor. Em 2017, porém, mudou radicalmente e resolveu usar o seu conhecimento acadêmico para rebater o preconceito destilado contra um gênero musical muito popular: o funk. Hoje, é conhecido nas redes como o influenciador Thiagson e tem 146 mil seguidores no Instagram.
Ao mesmo tempo em que ele conseguiu sucesso com a inusitada mistura de referências de música clássica e batidão funkeiro, atraiu também a ira de racistas da extrema direita. Gente que não se conforma em ver seus argumentos eugenistas contra o gênero musical oriundo da favela serem rebatidos por alguém que usa citações acadêmicas de grande erudição.
Nas últimas semanas, as críticas e xingamentos que Thiago recebia em espaço de comentários nas redes se transformaram em ameaças enviadas diretamente para o seu WhatsApp. “Falam que vão me enfiar a porrada, que vão me estuprar e jogar para os jacarés”, conta. O ICL Notícias teve acesso às mensagens.
Os autores das ameaças se identificam como neonazistas, um deles se diz do MBL e há até mensagem de alguém que afirma integrar o grupo “Monarquistas da USP”.
Thiago, de 35 anos, conversa com amigos advogados para estudar quais providências tomar em relação às ameaças, mas não mudou nada em sua produção de conteúdo.
“Meu trabalho na internet desde sempre desperta ódio político. No primeiro vídeo que viralizou, em que eu analisava a música ‘Xanaína’, do MC Lan, já pude ver a ira que causou”, lembra o influencer. “Perguntavam ‘o que esses idiotas estão fazendo na universidade pública?’, ‘como assim, pesquisar funk?’. As pessoas têm uma ideia de que o funk é uma falta de opção, que a pessoa não pôde estudar música, então vai fazer funk. No meu trabalho, falo um pouco desse preconceito contra a cultura preta e da periferia. Mostro que as concepções de música são eurocentradas, totalmente dominadas pela cultura do homem branco europeu”.
Ele não sabe identificar exatamente qual postagem motivou o ódio dos que fazem as ameças de agora, mas um dos conteúdos mais recentes faz críticas ao maestro Julio Medaglia, que em entrevista à Folha de S. Paulo disse que “qualquer idiota é capaz de fazer funk, pop e rap”. Thiago recordou no Instagram declarações racistas, elitistas e misóginas do maestro.
Mas ele admite que as ameaças podem ter sido motivadas por qualquer de suas postagens. “Pode ser também por algum conteúdo antigo que viralizou só agora. O pessoal da direita me adora”, ironiza.
Na universidade, Thiago diz que sofre algumas resistências, mas nada parecido com o que acontece atualmente.
“Na USP nunca tive um artigo rejeitado, mas já fui xingado por um professor da Unesp. As pessoas não gostam muito da presença do funk no ambiente acadêmico, não gostam de ver que eu critico valores que não tinham sido criticados ainda. Eu coloco em dúvida a suposta superioridade da música clássica”, diz. “Mas meus argumentos não são rebatidos porque são baseados em artigos, em estudos, em ciência”.
O influencer estudou cinco anos de composição na Unesp e antes estudou violão clássico e piano clássico no conservatório. Depois de 10 anos nesse ambiente, decidiu estudar funk, em especial as músicas que tocam nos chamados bailes de favela, que sofrem ainda mais preconceito.
Foi uma volta às origens, já que Thiago viveu o funk no cotidiano. Nascido em uma cidade chamada Uauá, no sertão da Bahia, ele foi criado na periferia de Santo André depois que a família se mudou para São Paulo, em 1995.
Além da pesquisa universitária e dos conteúdos que produz para redes sociais, Thiago é autor do livro “Tudo o que você sempre quis saber sobre funk… mas tinha medo de perguntar”.
Ele continua a fazer suas atividades normalmente, mas pretende tomar providências contra as ameaças mais diretas que tem recebido. “As redes sociais nutrem esse ódio, mas a gente não pode naturalizar”, afirma.
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