ICL Notícias

Por Chico Alves

Causou forte reação o editorial publicado na segunda-feira (1°) no jornal Estado de São Paulo, que defendeu o encerramento imediato dos inquéritos em que o Supremo Tribunal Federal (STF) trata das mobilizações para um golpe de Estado no Brasil. Sob o título “É hora de encerrar os inquéritos contra golpistas”, o texto defende que “encerrar os inquéritos é um gesto que fortalece a autoridade do STF e distensiona o País”. Para o jornal, a circunstância atual não justifica mais essa “atuação excepcional”.

A proposta foi bastante debatida nas redes sociais, e recebeu muitas críticas. O ICL Notícias pediu a juristas para avaliarem o assunto e três dos quatro entrevistados discordaram fortemente do editorial. Um dos especialistas ouvidos pediu mais transparência por parte do STF para que a sociedade possa compreender a necessidade da continuação das investigações.

Para Marco Aurélio Carvalho, fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Grupo Prerrogativas, o objetivo de um inquérito é que a investigação dure um tempo razoável e que tenha fundados motivos, para poder reunir os indícios de autoria e de materialidade .

“Como nesse caso esse trabalho ainda está sendo feito, eu digo que é muito difícil sustentar simplesmente que o inquérito seja arquivado sem uma justificativa forte pra isso”, argumentou Carvalho.

“Geralmente os inquéritos são arquivados quando não há qualquer tipo de indício reunido, seja de autoria ou de materialidade em relação a determinado delito, quando você tem quase que prova de inocência. Isso ainda não aconteceu nesse caso”, completou.

O advogado lembra que há poucos dias houve primeira responsabilização de um empresário como braço financeiro de apoio à tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. “Então, dizer simplesmente que tem que arquivar não me parece ser razoável, sobretudo porque não houve essa manifestação em relação a outros inquéritos, em especial aos da Lava Jato, que duraram anos.”

Nefasto ataque à democracia

Outro que concorda que não há motivo para encerrar os inquéritos imediatamente é o advogado Walfrido Warde.

“O 8 de janeiro foi o maior e mais nefasto ataque às instituições democráticas da história recente do país, nada se compara a esse episódio no curso de nossa redemocratização. Investigações não alvejam pessoas, têm fatos como objeto”, diz ele.

“Os pedidos de extinção dos inquéritos pregam a impunidade, a pretexto de diminuir a jurisdição constitucional do Supremo, que, na era Bolsonaro, foi ainda mais alargada, para proteger a democracia do presidente e dos seus apoiadores mais raivosos.”

O professor de Direito Constitucional Thomaz Pereira diz compreender que esses inquéritos foram abertos no STF por alguns motivos excepcionais, inclusive a inércia da Procuradoria-Geral da República quanto às ameaças à democracia.

Entretanto, ele critica o sigilo e argumenta que uma instituição como o Supremo não pode simplesmente pedir para todos confiarem cegamente em que ele está conduzindo isso estritamente de acordo com a necessidade.

“Exigir que esses inquéritos tenham um fim dentro das regras processuais vigentes é exigir o cumprimento do devido processo legal, não tem nada demais nisso. Mas, realmente, se a resposta do Supremo para isso é dizer que as investigações estão em andamento e que existem fatos novos, e por isso não houve o encerramento e nem a denúncia ou arquivamento de alguns casos, também cabe às instituições que sejam capazes de demonstrar aos cidadãos preocupados com a punição dos responsáveis que isso seja verificado”, analisa Pereira.

“A gente tem que estar em uma situação tanto de apoio da investigação e punição dos responsáveis, mas também de vigilância sobre o respeito do devido processo legal, já que toda as instituições devem ser cobradas quanto a isso.”

Já Lenio Streck, jurista e colunista do ICL Notícias, diz que se a resposta ao pedido de encerramento dos inquéritos que investigam golpistas for positiva, 2teríamos, por isonomia, que encerrar os inquéritos por furto, homicídio etc”.

“É espantosa a tese do Estado (de São Paulo). É antirrepublicana. Houve uma tentativa de golpe. E o Estadão quer uma espécie de anistia curupira? Encerrar os inquéritos? E o que fazer com eles?”, questiona Lenio.

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