Para além da questão da saúde, o que, por si só, já é muito grave, uma criança que vive, na primeira infância, uma situação de insegurança alimentar pode ter trabalho e renda prejudicados na vida adulta. É o que mostra estudo do NCPI (Núcleo Ciência Pela Infância), publicado ontem (10) pela Folha de S.Paulo.
De acordo com o estudo, até 2021, a comida faltava em 1 de cada 3 lares brasileiros, impactando as vidas de 2,3 milhões de crianças de 0 a 6 anos, que viviam em domicílios sem renda suficiente para suprir necessidades básicas de uma dieta diária.
O número corresponde a 11% da população da faixa etária, percentual parecido com o de duas décadas atrás. Em 2001, eram 13,5% os que passavam necessidades.
O estudo aponta que a falta de alimentos em quantidade e qualidade adequadas durante aquela faixa etária tem consequências para a vida do indivíduo, como deficiências no desenvolvimento emocional, cognitivo e de linguagem.
Além disso, o estudo mostra que as crianças negras são as mais afetadas. Dos domicílios avaliados, 58,3% são de pessoas pretas com crianças menores de 5 anos que vivem com insegurança alimentar. O percentual é de 51,2% nos lares de pessoas pardas e 40% nas casas de pessoas brancas. Apenas 1 em cada 4 crianças de 0 a 3 anos em situação de extrema pobreza está matriculada em creche.
Contudo, o problema vai além. Uma revisão de estudos feita por pesquisadores americanos para o relatório “Food Insecurity in Early Childhood” (Insegurança alimentar na primeira infância, em português), desenvolvido pelo Center for Study of Social Policy, apontou que a insegurança alimentar tem impacto na performance escolar da criança e cria dificuldade de foco e aprendizagem, o que prejudica o desenvolvimento acadêmico. Por conseguinte, traz também problemas para o desenvolvimento econômico do país.
Desse modo, o estudo deixa claro que a fome funciona como motor da pobreza de um país.
Na fase adulta, quem sofreu insegurança alimentar na 1ª infância pode perder até 20% da renda
À Folha, Naercio Menezes Filho, professor titular de economia do Insper e membro do NCPI, disse que a falta do pleno desenvolvimento das capacidades na infância causa perda de, em média, 20% da renda individual na fase adulta.
Isso acontece porque essas pessoas, segundo ele, costumam estar fora do mercado formal de trabalho e podem ter problemas de aprendizado, ensino básico incompleto e dificuldade para chegar ao ensino superior.
“Isso alimenta o ciclo vicioso da pobreza. Esses jovens ficam dependentes do Bolsa Família, muitas vezes têm filhos durante a adolescência e essas crianças também não têm oportunidades. O crescimento do país depende da qualificação da população”, disse.
Por essa razão, ele defende uma solução multidisciplinar, com políticas públicas intersetoriais que contemplem as áreas de educação, atendimento médico, saneamento básico e transferência de renda.
A propósito da transferência de renda, um estudo do Ministério da Saúde, realizado em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, mostrou que o programa Bolsa Família reduz em 91,7% o percentual de crianças na primeira infância que vivem em condição de pobreza ou extrema pobreza.
Pessoas pretas ou pardas correspondem a 73% dos beneficiários do programa, que hoje conta com mais de 40 milhões de pessoas.
Em março de 2023, foi criado o Benefício da Primeira Infância, um pagamento associado ao Bolsa Família que garante a transferência de R$ 150 por criança às famílias até 6 anos de idade. Desde então, o benefício tem chegado a 9,3 milhões de crianças no país todos os meses.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo
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