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Por Gabriel Gama, da Agência Pública

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A qualidade do ar registrada em São Paulo nesta semana é a pior em 40 anos de monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O cenário atual é agravado pela seca e a fumaça das queimadas do interior do estado, do Pantanal e da Amazônia. Porém, os paulistanos poderiam respirar um ar menos poluído se a capital retomasse a inspeção veicular obrigatória, uma política que esteve em vigor de 2008 a 2013 e é exigida pelo Código Brasileiro de Trânsito.

Especialistas ouvidos pela Agência Pública avaliam que São Paulo deveria discutir o retorno da fiscalização anual ou bianual dos 9,4 milhões de carros, ônibus, caminhões e motos que estão registrados na cidade – a maior frota de veículos do país. Instalada pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), a inspeção ambiental era realizada pela empresa Controlar e verificava se a emissão de poluentes dos escapamentos estava dentro dos padrões recomendados pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Caso não estivesse, o motorista precisava fazer manutenção no veículo e passar novamente pela análise.

Alguns dos parâmetros avaliados eram a emissão de monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2) e hidrocarbonetos. O setor de transportes responde pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa da cidade, que agravam as mudanças climáticas globais que favorecem as próprias queimadas.

Em 2013, o então prefeito Fernando Haddad (PT) encerrou o contrato com a Controlar alegando irregularidades e a formação de um monopólio. Seu sucessor, João Doria, prometeu durante a campanha eleitoral que retomaria a fiscalização. Mas, em 2017, no primeiro ano da gestão, vetou uma lei proposta pela Câmara Municipal que previa o retorno da inspeção em 2019. Ele argumentou que São Paulo não deveria ser a única cidade a obrigar os motoristas a passar pela análise e que os demais municípios da região metropolitana deveriam fazer o mesmo.

“São Paulo tem uma poluição crônica, de décadas, que no momento atual está sendo acentuada por fenômenos externos à cidade. Parte do problema que a gente está experimentando agora é exógena, quase inevitável, no sentido de que não é a cidade que está produzindo essa poluição. Ela é transportada, favorecida por péssimas condições meteorológicas”, afirma David Tsai, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Mas, argumenta o pesquisador, esse quadro poderia ser atenuado se as condições normais da cidade já não fossem tão ruins.

Tsai explica que a poluição do ar na capital paulista chegou a cair nos últimos 30 anos, em parte devido à migração de indústrias para cidades do interior. Mas, mesmo com essa redução, os números seguem acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma análise do Iema mostrou que o nível mais baixo de partículas inaláveis finas (PM 2.5) registrado de 2017 a 2021 em São Paulo foi de 11 microgramas por metro cúbico (µg/m³), quando o limite estabelecido pela OMS é de 5 µg/m³. O valor mais alto encontrado no estudo foi de 20 µg/m³, quatro vezes acima do índice considerado saudável.

Embora a inspeção veicular seja uma obrigação legal dos estados, conforme prevê o Código Brasileiro de Trânsito, as prefeituras também podem atuar para implementá-la por conta própria, como fez a capital paulista há 16 anos.

Em 2022, a Cetesb apresentou uma proposta de reimplantação da medida no Plano de Controle de Poluição Veicular 2023-2025. Conforme o documento, em uma primeira fase a inspeção seria apenas para veículos movidos a diesel, que são mais poluentes. Além disso, se estenderia a todos os veículos que trafegam na região metropolitana de São Paulo.

A proposta previa que o serviço de inspeção seria realizado por empresas privadas, em regime de concessão pública ou parceria público-privada. O prazo estimado para a elaboração e implantação da inspeção era de 24 meses contados após a consolidação de bases legais e estudos para a execução do programa.

No projeto, a Cetesb afirma que “o resultado esperado com a inspeção ambiental veicular é a redução da carga de poluentes e de gases de efeito estufa lançados à atmosfera”, além da redução do consumo de combustível graças à manutenção frequente. E diz que “a ausência da inspeção ambiental gera uma grande incerteza quanto ao montante das emissões desses veículos”.

Para Thiago Nogueira, professor de saúde ambiental na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a retomada da fiscalização ajudaria a reduzir a poluição observada na cidade. “É importante que a inspeção veicular retorne, seja obrigatória e envolva toda a região metropolitana. E deveria ser ainda mais exigente para os veículos antigos, com 20 ou 30 anos.”

Ele explica que os automóveis naturalmente passam a emitir mais poluentes conforme vão ficando mais velhos e sem manutenção. E, como a frota de São Paulo está envelhecendo, a inspeção se faz ainda mais necessária. A idade média dos veículos no estado saltou de 8,4 anos em 2011 para 10,7 em 2021, segundo a Cetesb.

Nova inspeção veicular precisa ser desenhada para maximizar os ganhos ambientais

Nogueira pesquisa a relação entre mudanças climáticas e a qualidade do ar e explica que um dos poluentes que mais afetam a saúde humana é o ozônio (O3), causador de doenças respiratórias como rinite e asma.

O ozônio é considerado um poluente secundário, formado na atmosfera por reações químicas envolvendo os gases emitidos pelos veículos e pelas queimadas. Para que a reação aconteça, é preciso que haja bastante radiação solar e temperaturas elevadas. Assim, a formação de ozônio se intensifica nos dias mais quentes.

“Além de ser formado por conta das altas temperaturas, o ozônio é um gás de efeito estufa, assim como o CO2. Ou seja, é uma retroalimentação: a alta temperatura ajuda a formar o ozônio, e o fato de ele estar no ar ajuda a esquentar ainda mais a atmosfera”, explica. E embora a inspeção veicular não avalie o ozônio (uma vez que ele não é emitido pelos carros), o controle sobre os poluentes que o originam pode reduzir os danos causados por esse gás, segundo o pesquisador.

Uma das críticas feitas à inspeção ambiental realizada em São Paulo entre 2008 e 2013 era que ela tinha maior eficácia em veículos com carburadores, um componente do motor que polui mais. Pela forma como foi estruturada, a fiscalização era mais adequada para detectar irregularidades em automóveis desse tipo. Mas a maioria dos veículos em circulação na época não continha a peça, o que provocou uma redução da poluição na cidade inferior ao que a inspeção poderia entregar.

Desde 1986, o Brasil conta com o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que estabelece metas para as montadoras produzirem carros menos emissores e com limites que vão baixando ao longo do tempo, em fases progressivas.

Para Tsai, um novo programa de inspeção deveria ter como ponto de partida um estudo para quantificar o quanto a poluição está distante do desenho original dos veículos, a fim de entender o quanto os veículos se afastaram do nível de poluição para os quais foram projetados. “Também será importante atualizar a tecnologia da manutenção, porque todo mecanismo tem limites. Não é razoável imaginar, por exemplo, que você baixe as emissões para um nível menor do que o carro foi fabricado”, pontua.

Combate à poluição do ar precisa envolver outras medidas

Em 2017, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou uma resolução obrigando todos os estados brasileiros a inspecionar seus veículos a cada dois anos, a partir de 2019. Porém, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) suspendeu a inspeção por tempo indeterminado, alegando que seria necessário mais debate com os departamentos estaduais de trânsito.

A determinação do Denatran vai contra o Código Brasileiro de Trânsito, cujo artigo 104 define que todo veículo em circulação deve ter “condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído avaliadas mediante inspeção, que será obrigatória”, com periodicidade estabelecida pelo Contran. Na prática, essa lei não é cumprida, já que os veículos são vistoriados apenas na saída das fábricas.

A médica Evangelina Araújo, diretora executiva do Instituto Ar, critica o enfrentamento da poluição do ar pelos governos: “Além de São Paulo não cumprir a lei da inspeção veicular, as autoridades não estão tomando ações para enfrentar essa situação tão emergencial que vivemos. A população segue sem proteção, sem orientação do que fazer. Isso é gravíssimo”.

“É uma irresponsabilidade, uma inação, um pouco caso em relação à qualidade do ar. Olha a situação em que a gente se encontra. Não tem nenhuma comunicação, você não vê o governo fazendo nada. Com metade do nível de poluição que temos atualmente na cidade de São Paulo, vários países da Europa já teriam suspendido as aulas e decretado uma situação de emergência”, afirma Araújo.

Ela destaca que os prejuízos da ausência da inspeção veicular são grandes, porque as emissões de material particulado continuam e há diversos estudos que mostram a dimensão de mortalidade e internações pela ação de poluentes. “Tem tanto um prejuízo ambiental quanto de saúde para a população”, afirma a médica.

Outro gargalo é que faltam estações de monitoramento da qualidade do ar no Brasil. A melhor forma de avaliar os impactos da inspeção veicular é observar se os índices de poluição melhoraram após a implementação da medida. Mas somente 13 estados brasileiros possuem estações de monitoramento da qualidade do ar, segundo levantamento do Iema, o que inviabiliza a verificação dos benefícios da fiscalização em grande parte do território nacional.

Candidatos de São Paulo não discutem o retorno da inspeção veicular

A Pública consultou o plano de governo dos cinco candidatos à prefeitura de São Paulo mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais: Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB), Pablo Marçal (PRTB), Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB).

Nenhum deles menciona propostas para articular o retorno da inspeção veicular na capital ou enfrentar a poluição do ar. O único candidato que trata do tema, de forma superficial, é Datena, que se comprometeu a investir para um “melhor monitoramento e fiscalização da qualidade do ar”.

A reportagem questionou a Cetesb sobre possíveis prazos para a implantação da inspeção veicular e se há discussões em andamento com a prefeitura de São Paulo sobre isso. Em nota, a companhia informou apenas que o Plano de Controle de Poluição Veicular 2023-2025 “prevê um conjunto de metas, sendo algumas delas já em execução e outras em avaliação técnica pela Cetesb”.

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