Por Adam Behr Senior Lecturer in Popular and Contemporary Music, Newcastle University – The Conversation
Em pleno 2023, ainda estar trabalhando com a música dos Beatles… Lançar uma nova canção que o público ainda não ouviu… Acho que é algo empolgante.
Não é de surpreender que Paul McCartney tenha se manifestado positivamente sobre a apresentação, nesta semana, do que tem sido apontado como a “última” música dos Beatles: a balada “Now and Then”, lançada mundialmente nesta virada de outubro para novembro de 2023, 43 anos após a morte de seu autor.
Muito se falou sobre o fato de a Inteligência Artificial fazer parte da produção. O aprendizado de máquina foi usado para reconhecer a voz de John Lennon e depois isolá-la de outros sons – um piano, uma televisão ao fundo, um zumbido elétrico – para torná-la utilizável em uma nova gravação.
Isso também ocorre em meio a uma série de atividades relacionadas aos Beatles recentemente – uma nova série de podcasts, o documentário épico de Peter Jackson de 2021, “Get Back”, novas versões dos famosos álbuns de compilação “Red e Blue” e uma turnê de Paul McCartney, durante a qual ele estará tocando músicas de álbuns anteriores dos “Faboulous Four”.
O rolo compressor comercial parece imparável. Portanto, talvez seja fácil ser cínico em relação a uma “nova” música de uma banda que se separou em 1970 e dois de seus integrantes estão mortos. Certamente, “Now and Then” levanta questões sobre como os lançamentos mediados pela tecnologia se relacionam com a produção artística coletiva e o que significa ser uma banda.
CRIATIVIDADE COLETIVA EM BANDAS
De muitas maneiras, porém, o rótulo AI é uma pista falsa, e essa nova música – que na verdade tem suas raízes em uma fita demo de John Lennon de 1977 – demonstra um padrão contínuo. Os Beatles e sua narrativa forneceram um exemplo seminal de como as bandas funcionam e pareciam estar abrindo caminho para outras.
Desde sua formação original como colegiais (Ringo entrou em 1962, quando começaram a gravar), até seu enorme sucesso financeiro e impacto cultural, os Beatles estabeleceram modelos que outros seguiram. O primeiro encontro de Lennon e McCartney em uma festa de igreja, em 1957, é hoje uma lenda.
Suas inovações no estúdio, com a ajuda do produtor George Martin, ajudaram a tornar as gravações – especialmente os álbuns – uma característica central da experiência musical popular. Eles começaram a atuar profissionalmente juntos, separando-se quando formaram novos relacionamentos e passaram para as próximas fases de suas vidas, ainda relativamente jovens.
As bandas são simultaneamente grupos sociais, unidades criativas e entidades econômicas. A “marca” econômica pode, obviamente, continuar por muitos anos depois que as outras pararem. Há também um longo histórico de lançamentos póstumos, incluindo Jimi Hendrix, Elliott Smith e Prince, até mesmo o sucesso definitivo de Otis Redding (“Sittin’ On) The Dock of the Bay”. Gravações “demo”, apresentações ao vivo inéditas e transmissões de rádio são partes estabelecidas dos catálogos dos artistas.
Isso se torna complicado, porém, quando o ato em questão é um coletivo com membros falecidos cuja presença na gravação é tecnologicamente facilitada. Um exemplo importante é o projeto “Beatles 1995 Anthology”, no qual os membros sobreviventes revisitaram as demos de John Lennon de uma fita cassete dada a McCartney por Yoko Ono e adicionaram novas partes para concluir as músicas.
A antologia de 1995 não foi um evento único. Em “Made In Heaven”, do Queen, no mesmo ano, a banda finalizou as músicas em que Freddie Mercury trabalhou no estúdio antes de morrer. Mas isso envolveu a ressurreição de fragmentos de gravações caseiras para limpá-las para o mercado comercial.
Na época, a tecnologia não era suficiente para isolar adequadamente a voz de Lennon em “Now and Then”, por isso foi abandonada até que Peter Jackson usou o aprendizado de máquina para remover o ruído das gravações originais para “Get Back”. Nessa época, George Harrison havia morrido, então essa tecnologia permitiu que McCartney e Starr voltassem à música, incorporando o solo de guitarra de Harrison da tentativa abortada dos anos 1990.
“COME TOGETHER”
Podemos, então, considerar o processo por trás dessa última música em termos evolutivos e não revolucionários. As possibilidades de gravação em várias faixas desde a década de 1950 significam que há muito tempo os músicos trabalham separadamente na mesma música. Como George Harrison disse sobre o “The White Album”:
“Havia muito mais coisas individuais… as pessoas estavam aceitando o fato de serem individuais. Eu me lembro de ter três estúdios funcionando ao mesmo tempo. Paul estava fazendo alguns overdubs em um, John estava em outro e eu estava gravando algumas buzinas ou algo assim em um terceiro”, disse o ex-Beatle.
Mesmo quando os Beatles estavam juntos, muitas músicas canônicas eram de autoria de apenas um ou dois deles. McCartney escreveu “Yesterday” e “Blackbird” sozinho, e é o único Beatle que toca nelas. “The Ballad of John and Yoko” não contou com a participação de Harrison ou Starr.
E os ex-membros da banda também tocaram nos discos “solo” uns dos outros. Há mais Beatles em “All Those Years Ago”, de Harrison, ou “Instant Karma”, de Lennon, do que em algumas das faixas da própria banda. Todos eles tocaram separadamente no álbum “Ringo”, de 1973.
“Now and Then” dá continuidade a práticas de longa data, que remontam ao seu apogeu. Seu status como a última música dos Beatles, no entanto, revela limitações tecnológicas. A IA pode criar fac-símiles convincentes, mas não pode reproduzir os fatos de quem realmente tocou ou cantou as várias partes, o que é um elemento central do que constitui uma banda.
O público atribui autenticidade à música de várias maneiras e, no caso das bandas, a principal delas é a formação. Alguns artistas efetivamente substituíram membros importantes da marca, outros tiveram menos sucesso. Isso costuma ser uma fonte de debate, pelo menos, com as formações “clássicas” sendo aquelas que ganham o selo de autenticidade do público.
E o que dizer da música em si? Ela não vai suplantar canções como “Hey Jude” ou “Help” no panteão musical dos Beatles. Essa barra, no entanto, é alta e a balada plangente conduzida por um piano tem um arranjo familiar, mas distinto, impregnado de nostalgia, mas que, mesmo assim, é tocante em seus próprios termos. A voz de Lennon está mais clara do que nas reconstruções anteriores e as harmonias soam como, bem… os Beatles.
Nesse sentido, o que está no centro desse projeto é a presença – mesmo que espectral – das quatro pessoas que formaram a base criativa e social da marca. Na “última” música dos Beatles, eles demonstram a importância, mesmo como um ponto final de sua carreira fonográfica, das conexões interpessoais que colocaram as coisas em movimento em primeiro lugar.
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