Por Heloisa Villela
O soldado israelense que fugiu do Brasil para não ser interrogado e possivelmente detido pela polícia brasileira desembarcou em Israel e imediatamente deu uma entrevista na qual confirma as acusações apresentadas contra ele. Yuval Vagdani, que estava em Morro de São Paulo, na Bahia, quando foi denunciado, no fim de dezembro, chamou de “uma explosão bonita” a destruição de casas de civis na Faixa de Gaza em uma entrevista ao jornal Maariv.
O ICL Notícias teve acesso, com exclusividade, aos autos do processo contra ele que ainda corre sob segredo de Justiça. Um morador de Gaza teve a casa destruída por uma ação militar israelense da qual o soldado Yuval Vagdani participou, no dia 11 de novembro do ano passado. Ao desembarcar no Brasil de férias, no dia 24 de dezembro de 2024, ele foi acusado de cometer um crime de guerra: destruir intencionalmente várias propriedades civis.
Casas de moradores que não estão envolvidos em conflitos não podem ser alvos de militares, dizem as regras e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Por isso, a Fundação Hind Rajab, com sede em Bruxelas, apresentou queixa contra Vagdani.
A Polícia Federal pediu o arquivamento do caso e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) deu entrevistas dizendo ter sido o responsável pela postura da PF. Em entrevista ao jornal The Jerusalem Post, publicada no dia 10 de janeiro, Eduardo diz que se associou ao ministro da Diáspora de Israel, em defesa do soldado israelense. A manchete do jornal, traduzida para o português, afirma: ”Bolsonaro explica como ele fechou o caso de crime de guerra contra reservista das Forças de Defesa de Israel no Brasil”.
O Jerusalem Post reproduziu uma reportagem do Maariv na qual Eduardo Bolsonaro conta que depois de postar um vídeo na internet em apoio ao soldado ele recebeu um telefonema do ministro Amichai Chikli, encarregado dos assuntos da diáspora. “Lançamos uma contraofensiva online, focando no Instagram e no X, e conseguimos mudar a narrativa. Eventualmente, a Polícia Federal pediu ao juiz para reconsiderar a queixa. O caso foi arquivado”, disse o deputado.
O canal I24News, de Israel, também publicou as declarações de Eduardo Bolsonaro. “Lançamos um contra-ataque virtual e a Polícia Federal brasileira pediu ao juiz para reconsiderar o caso”, disse ele à emissora.
Se depender da Fundação Hind Rajab, o caso seguirá adiante e já foi apresentado um pedido para que a PF faça uma perícia em todas as provas apresentadas sobre o caso, uma oitiva com a vítima, através de videoconferência, e que o Ministério Público negue o pedido da PF, que se colocou contra a abertura de um inquérito. O objetivo de levar o caso adiante é fazer com que chegue ao Tribunal Penal Internacional com o peso político e jurídico de ter sido chancelado por autoridades brasileiras.
Ataque em Gaza sem aviso aos civis
Moradores que estavam nas casas destruídas em Gaza, no dia 11 de novembro, contaram à Fundação Hind Rajab que foram pegos de surpresa. As investigações da Fundação mostram que não houve aviso prévio ou alerta das autoridades para que os moradores deixassem o local. Nos autos, existe uma linha do tempo mostrando o passo a passo da ação militar israelense na área residencial de Al Nuwairi.
O dia 11 de novembro começou com bombardeios aéreos por volta de um hora da manhã. Às 6h, vídeos obtidos pela Fundação, anexados ao processo, mostram uma artilharia de tanques se deslocando em direção às casas. Quatro horas depois surgem as primeiras notícias de feridos chegando ao hospital da área. A explosão de todo o quarteirão aconteceu às 15 horas do mesmo dia. A imagem é vista no vídeo com som de gargalhadas ao fundo.
Jornalistas locais documentaram a fuga dos moradores. As fotos e vídeos também estão no processo, nas mãos das autoridades brasileiras, e mostram as pessoas fugindo com o que puderam carregar nas mãos. A equipe de advogados que apresentou o caso ao Ministério Público usou o programa Verifact para captura técnica de imagens das mídias sociais além da geolocalização de fotos dos militares publicadas na internet e análise do material para determinar com precisão a data do ataque e o local exato onde ele ocorreu.
O Brasil é signatário do Estatuto de Roma e por isso tem o dever de investigar esse tipo de denúncia, uma vez que o acusado entrou no país e passou alguns dias. Segundo a documentação apresentada ao Ministério Público, Yuval Vagdani foi alertado pela diplomacia israelense de que poderia ser detido. Ele fugiu no dia 4 de janeiro, às 23:53, em um voo para a Argentina, de onde seguiu para Israel.
Ao desembarcar, Yuval disse ao jornal Maariv: “causei uma linda explosão”, admitindo a acusação que pesa contra ele no Brasil. Ele também admitiu ter postado fotos dele mesmo na internet, em ação na Faixa de Gaza, e contou que o Ministro das Relações Exteriores de Israel telefonou para ele pessoalmente avisando que ele podia ser preso no Brasil e que precisava deixar o país imediatamente. No aeroporto, ele disse aos jornalistas: “Eu postei fotos minhas em Gaza, fotos de casas e uma linda explosão”.
A Polícia Federal contestou a veracidade das provas apresentadas pelos advogados da Fundação. Por isso, eles apresentaram novos detalhes e pediram que as provas apresentadas passem por uma perícia da própria PF. Eles também requisitaram a instauração de um inquérito policial para investigar a denúncia. Para eles, não importa que o soldado Yuval Vagdani tenha fugido do Brasil. Ele é acusado de um crime de guerra e deve ser investigado.
Nas fotos que publicou nas redes sociais, e depois apagou para destruir provas, ele aparece diante das casas de civis ao lado de explosivos. São baldes brancos de tampa amarela e fios vermelhos que ligam os detonadores. O mesmo material foi documentado em outras fotos de soldados de Israel atuando na Faixa de Gaza, e até mesmo em um vídeo, anexado ao processo, em que um soldado mostra o material explosivo. Nos autos do processo, é possível ver outras fotos em que o mesmo material explosivo aparece e é usado para preparar a explosão controlada de outras
As Brigadas Givati, do exército de Israel, são acusadas de implementar o plano de destruição do chamado Corredor de Netzarim, uma faixa que separa o norte do sul de Gaza. Várias residências civis foram destruídas para criar essa faixa. Essas moradias não foram transformadas em pó por bombardeios aleatórios, segundo mostram as fotos e vídeos do processo. Elas fazem parte de um plano pré estabelecido de explosão controlada.
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