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Extremista Javier Milei é eleito presidente da Argentina

Num país abalado por profunda crise socioeconômica, Milei ganhou destaque com frases de efeito e ideias pouco convencionais, como a dolarização da economia
20/11/2023 | 06h00

O candidato de extrema direita Javier Milei é o presidente eleito da Argentina, vencendo o governista Sergio Massa. Às 20h30, Milei aparecia com 55,89% dos votos, contra 44,10% de Massa. Segundo o jornal Clarin, candidato governista admitiu que os resultados “não são os que esperávamos”. E disse que conversou com Milei: “Para parabenizá-lo e desejar-lhe boa sorte, porque é o presidente que a maioria dos argentinos elegeu para os próximos quatro anos”.

Milei, da coligação A Liberdade Avança, falou em esperança na hora de votar neste domingo. “Esperemos que para amanhã (20) haja mais esperança, e não tanta continuidade e decadência. Que hoje à noite tenhamos um novo presidente eleito”, afirmou. “Estamos muito satisfeitos, apesar da campanha do medo e de toda a campanha suja que fizeram contra nós.

Milei foi a grande novidade dessa eleição. Com discurso ultraliberal e anti-establishment, ele conseguiu alterar a configuração de forças no tabuleiro político do país. Se até então as disputas eleitorais se restringiam a kirchneristas e macristas, que concentravam mais de 90% dos votos, o que se viu dessa vez foi uma batalha de terços, na qual, durante o primeiro turno, três forças políticas tinham chance de passar para o segundo, cada uma com cerca de um terço do eleitorado.

Num país abalado por uma profunda crise socioeconômica, Milei ganhou destaque com frases de efeito e ideias pouco convencionais, sendo a dolarização da economia a que ganhou mais destaque na campanha — nesse âmbito, ele chegou a comparar o peso a um “excremento” e estimulou as pessoas a trocarem pesos por dólares, o que pode ter sido um dos fatores responsáveis pela corrida cambial que fez o dólar disparar como nunca e superar a marca de mil pesos no câmbio paralelo, no final da semana passada. Milei também propõe fechar o Banco Central e privatizar empresas estatais.

Outras propostas polêmicas que surgiram durante a campanha foram a liberação da venda de armas de fogo e até de órgãos humanos, das quais Milei recuou após a votação do primeiro turno, na qual ficou sete pontos percentuais atrás de Massa, em segundo lugar. A partir dali, suavizou o discurso em alguns aspectos e fez uma aliança com a conservadora Patricia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno, e com o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).

Economista de formação e deputado desde 2021, Milei cresceu por meio das redes sociais, fora do radar da mídia e da rede territorial dos partidos tradicionais. “Nunca tivemos um cartaz do Milei aqui. Não o vimos chegar, ele entrou pela janela”, disse um líder da Villa 21-24, o maior bairro popular da Argentina, ao El País. Ele obteve grande apoio dos setores mais vulneráveis, tradicionalmente afins ao peronismo, mas também de eleitores de classe média e alta.

Com frequência, ele prometeu cortar o gasto público com uma motosserra, outra de suas frases de efeito, neste caso acompanhando de uma imagem de efeito, pois carregava uma motosserra a tiracolo em eventos de campanha — guardadas as devidas proporções, faz lembrar o ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) fazendo o gesto da arma em punho, que se tornou marca de sua campanha pela presidência do Brasil, na qual também teve um crescimento surpreendente, alavancado acima de tudo pela atuação em mídias sociais.

Assim como Bolsonaro, Milei também costuma criticar duramente o sistema político, que ele chama depreciativamente de “a casta”. “Ele se diz antiestablishment, porque é ultracapitalista e acredita que o capitalismo está corrompido por um establishment corrupto. Ele também questiona os empresários, que chama de “empresáurios” (mistura de empresário com dinossauro), em referência àqueles que vivem da ganância, da renda, sem produzir de fato”, conta Santucho.

Embora critique o establishment político, o candidato terá que dialogar e buscar acordos com seus integrantes para poder governar, caso seja eleito. “Qualquer que seja sua votação, ele não terá um terço de base parlamentar em nenhuma das Casas (Câmara e Senado), então sua estabilidade no cargo dependerá das alianças que fizer com a casta”, afirma o cientista político argentino Andrés Malamud ao Brasil de Fato. Malamud explica que ter uma base de apoio de pelo menos um terço do Legislativo funciona como um escudo que serve para proteger de, por exemplo, uma tentativa de impeachment.

O PASSADO DA ARGENTINA

As polêmicas da candidatura de Milei não se restringem a ele e resvalam também em democracia e direitos humanos, temas particularmente sensíveis no país que teve a ditadura mais letal da América do Sul — estima-se em 30 mil o número de mortos durante a última fase da ditadura, de 1976 a 1983.

Durante a campanha, a candidata a vice na chapa de Milei, a advogada e parlamentar distrital Victoria Villarruel, falou sobre a ditadura militar argentina de uma forma que contraria o longo processo de acerto de contas com esse período autoritário e violador de direitos humanos. Ela afirmou que, se chegar ao governo, irá impulsionar um processo de libertação dos repressores do regime que foram condenados pela Justiça, e que ela considera como “presos políticos”.

“O problema em si é a democracia. No sentido de que as regras da maioria não necessariamente levam a algo bom”, afirmou o candidato numa entrevista concedida em 2019. “Por exemplo, se um candidato propuser matar todos os que se opõem a ele e obtiver 70% dos votos, isso lhe dá o direito de matar os outros 30%?. O que estou dizendo é que não idealizemos a democracia. A democracia, em si mesma, levada ao seu máximo, resulta em populismo. Portanto, basicamente, devemos trabalhar para construir outra estrutura de funcionamento”.

O PASSADO DE MILEI

Durante a adolescência, Javier Milei foi goleiro de futebol e teve uma banda de rock que tocava músicas dos Rolling Stones. Formou-se em Economia pela Universidade de Belgrano, na Argentina, e fez dois mestrados na área. Atuou em consultorias, bancos e grupos de políticas econômicas. Defende um modelo de capitalismo sem regulação do Estado.

Milei teve problemas com a imprensa e recebeu críticas por fazer comentários misóginos. Certa vez, ao comentar sobre as diferenças salariais entre homens e mulheres, disse que se as mulheres ganhassem mesmo menos, as empresas estariam cheias delas em seus quadros.

Sua campanha foi coordenada por uma mulher, sua irmã Karina Milei, única integrante de seu núcleo familiar com a qual ele tem contato, já que com os pais Milei não fala, pois os considera pessoas “tóxicas”. Em entrevistas, ele relatou ter sofrido muitas surras e atribui a isso o fato de não ter “medo de nada”.

Com informações de Julio Adamor, do Brasil de Fato

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