ICL Notícias

Por Caio Barretto Briso

Uma das maiores nadadoras da história do Brasil — quinta mais rápida do mundo nos 400 metros medley quando tinha apenas 17 anos –, Joanna Maranhão sabe bem como o mundo do esporte pode ser violento.

Após denunciar os abusos que sofreu na infância pelo seu ex-treinador, tornou-se uma das principais vozes contra violências sofridas por atletas.

Ela lutou por uma lei — aprovada em 2012 e batizada com seu nome — que estende o prazo de prescrição de abuso sexual de crianças e adolescente.

Agora, aos 37 anos, expande ainda mais sua atuação com o lançamento da Athletes Network for Safer Sports.

Projeto da instituição Sport & Rights Alliance, criada em 2015 para defender direitos humanos no meio esportivo, esta rede, coordenada por Joanna, foi lançada na terça-feira (21) em Nyon, na Suíça.

Trata-se de uma rede de atletas com a missão de lutar por mais segurança no esporte e que oferece, entre outras coisas, um fundo de emergência para apoiar pessoas impactadas por violência no mundo todo que sofrerem qualquer tipo de violência. Não há nada parecido no mundo.

“As pessoas finalmente estão falando sobre violência sexual, psicológica e física no esporte. Mas ninguém lucra por falar abertamente o que sofreu, pelo contrário, sofre retaliação”, afirma Joanna ao ICL Notícias.

“Por isso criamos o fundo de emergência, que vai dar suporte a quem for impactado. Faremos incidência junto às entidades esportivas, sobretudo Comitê Olímpico Internacional, FIFA e UEFA, para melhorar suas políticas de direitos humanos. Se a gente quer mudar o esporte, mudar a estrutura é fundamental.”

São muitas frentes de atuação e o trabalho da rede está sendo liderado por Joanna e mais cinco pessoas de diferentes países diretamente impactadas por violência.

A rede começou a ser pensada após um estudo, conduzido por Joanna entre maio e novembro de 2022, e uma ampla consulta com sobreviventes de abusos.

Esse trabalho deu origem ao relatório “Precisamos empoderar uns aos outros”, lançado em maio de 2023, que serviu de base e inspiração para a criação da rede.

Nadadora olímpica, Joanna Maranhão tornou-se uma das vozes mais importantes na luta contra violências no mundo do esporte (Foto: reprodução)

Nadadora olímpica, Joanna Maranhão tornou-se uma das vozes mais importantes na luta contra violências no mundo do esporte. Foto: Reprodução

Em sua pesquisa de mestrado pela universidade de Leuven, Joanna já havia entrevistado 1043 atletas brasileiros de alto rendimento e descobriu dados alarmantes: 80% revelaram já ter sofrido abuso psicológico, 60% sofreram violência sexual e 50%, violência física.

Essa consulta concluiu que a reputação de instituições, federações e pessoas continua sendo mais importante do que a segurança e o bem-estar de pessoas impactadas — e que o mundo dos esportes segue sendo um lugar de risco.

Com o apoio de um Conselho Consultivo de formado por pessoas impactadas, a Sport & Rights Alliance passou o ano de 2023 desenvolvendo a estratégia e a estrutura da rede, mais uma etapa liderada por pessoas afetadas pela violência no esporte.

O trabalho da rede não será voltado apenas para sobreviventes, mas também para denunciantes e aliados afetados por abusos no esporte. Haverá campanhas coletivas, formação em Advocacy, webinars, intercâmbio sobre melhores práticas, análise de pesquisa cientifica, além do fundo de emergência para quem necessitar de ajuda urgente.

“Nem todo atleta que sofreu abuso quer defender a causa, e isso é mais do que aceitável”, disse Ahmar Maiga, um dos integrantes do Conselho Consultivo e representante dos atletas do Mali. “A ideia é que as pessoas possam se envolver da maneira que for melhor para elas, seja apenas para conexão e solidariedade, ou saindo na frente e exigindo mudanças.”

Joanna Maranhão: prioridade será para os mais vulneráveis

Segundo Joanna, o trabalho de atendimento aos atletas começará “pelas margens, pelos mais vulneráveis primeiro, priorizando pessoas do Sul Global”.

A coordenadora explica que a rede precisa ser um espaço seguro onde as pessoas possam se conectar — e o primeiro momento para isso acontecer publicamente será na próxima quarta-feira (29), às 10h no horário de Brasília, em um encontro online gratuito e aberto a todos.

A SRA cumpre um papel importante no monitoramento realização de grandes eventos esportivos, como a Eurocopa deste ano e a Copa do Mundo feminina, que será realizada no Brasil em 2027.

“Direitos humanos são inegociáveis, são claríssimos, algo indiscutível. Os megaeventos esportivos não têm que questionar os direitos humanos, têm que garanti-los. O esporte já tem autonomia demais para se autorregular, é como a igreja, ninguém regula. Existem os sindicatos de atletas, mas um trabalho como esse, voltado a garantir direitos de quem sofre violência no esporte, é inédito. Estaremos atentos também aos grandes eventos”, diz Joanna.

Ela afirma que os dois principais desafios da rede são fazer com que ela seja sustentável financeiramente e também relacionar-se com as entidades esportivas, uma relação que “algumas vezes tensiona, como num jogo de xadrez”.

Por enquanto, a rede tem orçamento garantido para os primeiros três anos de trabalho, com apoio da OAK Foundation e da Open Society.

“Mas não paramos, queremos ampliar, precisamos de mais pessoas e de mais financiamento, principalmente para o fundo de emergência. Precisamos de auxílio psicológico para as pessoas. A demanda é muito maior do que se pode imaginar”.

Segundo Joanna, é muito importante escutar as vítimas, “escutar de verdade, ouvir as pessoas que queremos servir”.

“As pessoas impactadas por abusos no esporte são parte da solução, não do problema”, afirma Joanna, que fez mestrado na Bélgica em ética esportiva e hoje vive com sua família em Potsdam, na Alemanha. “Elas são especialistas por experiência, não por escolha. Queremos dar protagonismo a quem sofreu violência no esporte, amplificar essas vozes e conseguir uma mudança sistêmica.”

 

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