Por Paulo Batistella – Ponte Jornalismo
O publicitário Yuri Cavalcante foi agredido até perder a consciência, acusado injustamente de furto. Ele teve que mudar de casa e não consegue sair sozinho. Polícia Civil mantém investigação após três meses e ninguém foi responsabilizado
Três meses depois de ter sido linchado em uma rua de São Paulo ao ser injustamente acusado de furto, Yuri Cavalcante, um jovem negro de 24 anos, teve a vida revirada. Ele precisou se mudar de casa, tem medo de caminhar sozinho à noite e planeja deixar o país. Já as pessoas que o agrediram na madrugada de 22 de março deste ano chegaram a abordá-lo em um espaço público dias depois e seguem ser responsabilizadas
A Polícia Civil mantém em andamento uma investigação sobre o caso, da qual a vítima tem poucas notícias. “De repente, tudo voltou à normalidade para todo mundo, parece que ficou por isso mesmo. Quando busco alguma informação, as respostas são sempre evasivas. Passou aquele momento em que existia uma atenção midiática, e agora parece que foi só mais um caso”, lamenta Yuri.
Na ocasião em que foi agredido, conforme mostrou a Ponte à época, o publicitário havia desembarcado no metrô Parada Inglesa após voltar de uma festa no centro de São Paulo e caminhava na Avenida General Ataliba Leonel, na zona norte da cidade. Já a poucos metros de casa, por volta das 5h40, um motorista encostou um carro junto à calçada, apontou uma arma para o jovem e ordenou que não fugisse. Assustado, Yuri achou se tratar de um assalto, jogou o celular e uma bolsa no chão e passou a correr enquanto gritava por ajuda.
Mais à frente, ele foi derrubado ao receber um chute pelas costas de outro homem que o perseguia a pé, identificado como Matheus Sampaio. Caído à beira da sarjeta, passou a receber do agressor socos na cabeça. O carro da perseguição chegou então ao local. Dele, desceram o motorista Felipe dos Santos Antônio, segurança de um bar na região e que estava armado, e Ellen Wirth Ribeiro Auada, cliente do estabelecimento. Ela relatava ter tido o celular furtado, acusando Yuri do delito. Surgiu também um amigo dela, Rhamon Máximo da Fonseca Alves.
Matheus e Ellen seguiram com o linchamento a ponto de Yuri perder a consciência. Eles cessaram com as agressões somente após vizinhos intervirem e policiais militares de uma base próxima aparecerem no local. Toda a cena foi gravada por câmeras de segurança [veja abaixo].
SSP-SP diz aguardar ‘laudo complementar’
O caso foi registrado, a priori, como lesão corporal leve. A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública paulista (SSP-SP) à época sobre por qual razão optou-se por essa classificação, e não por lesão corporal grave ou tentativa de homicídio. A pasta disse que um exame solicitado ao Instituto Médico Legal (IML) sobre a gravidade das lesões a Yuri poderia alterar a natureza da ocorrência. Agora, em novo contato, a SSP-SP comunicou aguardar “um laudo complementar”, que vai auxiliar na conclusão do caso.
Yuri relata que tentou ir ao IML, mas não obteve acesso ao laudo. Também buscou a delegacia na qual registrou a ocorrência, para ter clareza sobre o andamento da investigação. No entanto, recebeu no local apenas a informação de que o delegado à frente do caso havia sido substituído. Ele ainda cogitou contratar os serviços de um advogado, mas desistiu em razão dos valores pedidos para isso.
Nesse período, Yuri foi abordado por Matheus ao ir a um bar com uma amiga. Na ocasião, o agressor, que havia fugido sem prestar depoimento no dia do ocorrido, pediu desculpas. “Ele insistiu muito para falar comigo, me senti coagido naquele momento. Preferi apenas escutar, dizer que não o desculpava e que ele teria de responder à Justiça”, diz o jovem.
A vítima conta também que já se deparou na rua com Rhamon e Felipe. Este último o cumprimentou. “Não sei se a intenção foi me causar medo, não sei. Mas me senti mal, porque uma pessoa que me apontou uma arma estava ali acenando com a cabeça.”

Yuri planeja deixar o país após episódios traumáticos de violência | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
‘País me vê como um bandido em potencial’
O jovem negro também deixou a casa da família, na rua em que foi agredido, e se mudou para outro local. “Tento seguir em frente, mas antes eu era uma pessoa que ia para festas quase todos finais de semana, via meus amigos com certa frequência. Eu me sentia livre para sair na rua à noite e agora eu sinto medo. E, honestamente, não acho que isso vai se curar tão cedo.”
Yuri também planeja deixar o país para um intercâmbio. No ano passado, ele havia sofrido um sequestro-relâmpago. Depois disso, em uma viagem com a família a uma cidade do interior do Paraná, ele e o irmão, um jovem também negro, foram abordados por policiais militares com armas em punho quando passeavam à noite pelo local e faziam fotos. Ele chegou a ser agredido com um tapa por um dos agentes.
“Eu tomei a decisão de sair do Brasil por conta disso. Porque, primeiro, sofri um sequestro-relâmpago. Depois, sofri uma abordagem violenta da polícia. E, pouco tempo depois, fui brutalmente agredido pela sociedade. Então, é um país que me vê como um bandido e uma vítima em potencial.”
Ele diz que também gostaria de ter uma reparação dos agressores: “Sei que não são pessoas de alta renda, mas o que fizeram não pode ficar assim. Eu tenho que receber algum tipo de compensação, justamente pelo trauma pelo qual estou passando. Não me sinto confortável de andar sozinho à noite, tenho pego corridas por aplicativo como nunca antes. E eles não podem passar por isso como se tivesse sido só uma situação desagradável, porque eu poderia ter morrido. Eu quero justiça.”
A Ponte não conseguiu contato direto com Ellen, Felipe e Rhamon. Pelas redes sociais, enviou, ainda à época do ocorrido, mensagens para Matheus e para o bar ao qual Felipe prestava serviços. Não houve retorno desde então. Caso as demais partes queiram se manifestar, o espaço está aberto.
Leia a íntegra do que diz a SSP-SP
A investigação segue em andamento pelo 9º Distrito Policial (Carandiru), que já ouviu a vítima, uma testemunha e dois suspeitos. A autoridade policial aguarda o resultado de um laudo complementar, que está em elaboração. Assim que finalizado, o documento será analisado para auxiliar na conclusão do caso.
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