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Neto de policial, juiz absolve PMs que mataram e arrastaram Claudia Ferreira

Mãe de quatro filhos, faxineira foi morta a caminho do mercado no bairro de Madureira, zona norte da cidade
19/03/2024 | 11h25

Dez anos após o assassinato de Claudia Silva Ferreira, morta por policiais militares a caminho do mercado no bairro de Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), absolveu os seis policiais envolvidos no crime — inclusive os dois acusados pela morte de Claudia, uma faxineira de 38 anos que vivia com o marido, os quatro filhos do casal e outros quatro sobrinhos.

Ela foi baleada perto de casa, no Morro da Congonha, e o caso ganhou evidência após o jornal Extra divulgar um vídeo com o corpo de Claudia sendo arrastado por cerca de 350 metros na Estrada Intendente Magalhães, uma das principais vias do subúrbio carioca. Na ocasião, os policiais disseram que não a colocaram no banco de trás do automóvel porque ele estava cheio de armas, por isso jogaram Claudia no camburão, que abriu com a viatura em movimento.

A notícia da absolvição, decidida pelo juiz no dia 22 de fevereiro, foi publicada pelo repórter Rafael Soares, do jornal O Globo.

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Titular da 3ª Vara Criminal, o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, de 56 anos de idade, é neto de policial militar por parte de mãe. Recentemente ele deu uma aula na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em que o tema foi “Legítima Defesa — Legalidade do Sniper no Rio de Janeiro e seus desafios”.

Em 2012, ele recebeu a medalha Pedro Ernesto, maior honraria do município, das mãos do vereador Carlo Caiado, atualmente presidente da Câmara de Vereadores do Rio. Antes de assumir a 3ª Vara Criminal, foi juiz auditor militar, juiz do 1º Tribunal do Júri e juiz titular da 1ª Vara Criminal de Bangu.

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O processo tratou de duas acusações. Os PMs Rodrigo Medeiros Boaventura e Zaqueu de Jesus Pereira Bueno eram acusados por homicídio — segundo a Polícia Civil, os dois tiros que atingiram Claudia (nas costas e no pescoço) partiram da posição onde os dois estavam. À época, ambos chegaram a ser presos, mas logo voltaram às ruas em outro batalhão. Além deles, Adir Serrano Machado, Alex Sandro da Silva Alves, Rodney Miguel Archanjo e Gustavo Ribeiro Meirelles eram acusados de fraude processual por terem removido o corpo de Claudia do local em que ela foi assassinada.

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Claudia tinha saído de casa para ir ao mercado comprar pão quando foi surpreendida por uma operação policial.

Nos autos do processo, o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira cita o depoimento do delegado Julio Cesar Phyrro de Carvalho, que afirmou que o local onde os acusados estavam era “no alto da comunidade, em região densa de mata, com pouca visibilidade” — o que não está de acordo com o lugar onde Claudia foi assassinada pelos policiais, numa via da comunidade.

Na ocasião, foram apreendidos três pistolas, um rádio comunicador e pouca quantidade de drogas. O juiz de primeira instância disse que os policiais reagiram à “injusta agressão” — expressão usualmente repetida por policiais para justificar assassinatos durante operações nas favelas do Rio — e que acertaram Claudia “por engano”.

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O juiz entendeu que os policiais colocaram Claudia na viatura em uma tentativa de socorrê-la. Nos depoimentos, os PMs alegaram acreditarem que a vítima ainda mantinha sinais vitais, mas a prática de levar vítimas já sem vida para hospitais também é recorrente entre policiais brasileiros, sobretudo no Rio — é o chamado “falso socorro“, feito para alterar a cena do crime antes da chegada da perícia.

“No banco traseiro da viatura havia alguns armamentos. A população estava revoltada e tentou tomar para si as armas, bem como agredir os policiais. Como os agentes tinham que socorrer Claudia, não houve tempo hábil para retirar as armas do banco. Em razão disso, eles a colocaram dentro da caçapa da viatura”, afirmou, em depoimento à Justiça, Wagner Cristiano Moretzsohn, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar à época.

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No processo na Justiça, o juiz considerou também o depoimento da enfermeira Danusa de Souza Ramos, que estava de plantão no Hospital Estadual Carlos Chagas. Ela afirmou que quando Claudia chegou na viatura, “não percebemos que ela estava morta. Achávamos que ela poderia estar viva. Mas na sala de trauma percebemos que ela já estava sem os sinais vitais”.

Em sua decisão, o juiz ainda elogiou os policiais ao justificar a absolvição deles do crime de fraude processual. Disse o magistrado que “restou comprovado que os acusados não inovaram de forma artificiosa. Pelo contrário, evidencia-se que eles tentaram socorrer a vítima de imediato, em que pese vários populares agirem de modo a impedir o socorro”.

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