Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou a homotransfobia, em 2019, nenhum caso do tipo foi contabilizado pela Justiça até junho de 2022. A informação é do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que esclarece que o crime é enquadrando na lei do racismo, que tem pena de 2 a 5 anos de reclusão.
Segundo o CNJ, a não contabilização dos casos ocorreu porque não havia sido criado um assunto processual específico para a discriminação contra LGBTs.
De acordo com o órgão, nos autos tudo era considerado apenas como “racismo”. O CNJ informou que a categoria foi criada há apenas dois anos, quando foi possível classificar o crime como intolerância ou injúria por identidade, expressão de gênero orientação sexual.
Contudo, de junho de 2022, até março deste ano, pouquíssimos casos foram registrados — apenas 60.
Devido a falta de dados, entidades tentam quantificar os casos consultando boletins de ocorrência, como fez o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que divulgou o total de casos de homofobia registrados como racismo desde 2020.
No total, durante o período observado, houve um aumento de 353% nas notificações, sendo 111 casos registrados em 2020, 328 em 2022 e 503 em 2023.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o advogado Paulo Iotti, responsável por defender a punição pela lei do racismo nos casos de homofobia e transfobia perante o Supremo, afirmou que a falta de assunto processual sobre homotransfobia mostra uma “má vontade inépcia e incompetência inacreditáveis” por parte do Judiciário.
“As secretarias de segurança pública poderiam instruir suas delegacias a tipificar a vítima e mapear esses dados nos boletins de ocorrência”, diz Iotti, que acredita que um caminho para a solução do problema seriam as polícias estaduais. “Se foi contra um gay, deixe, claro. Contra uma lésbica, também”, conclui.
Boletins
A ideia já vem sendo aplicada em São Paulo desde 2015. Os boletins online e presenciais têm campos onde podem ser colocado “homofobia ou transfobia” como provável motivador do crime.
A cidade também põe um campo de de identificação da orientação ou identidade sexual da vítima nos boletins, ajudando a identificar os casos quando eles chegam aos tribunais.
Falta capacitação dos agentes em casos de homotransfobia
O principal problema, no entanto, é a capacitação dos agentes. Segundo a Folha de S. Paulo, em 3 de fevereiro passado, o casal Rafael Gonzaga e Adrian Grasson sofreu suposto caso de homofobia em uma padaria na Santa Cecília, região central da capital paulista.
Ao tentarem estacionar o carro no local, havia uma pessoa sobre a vaga, identificada como a empresária Jaqueline Santos Ludovico, 35. Eles, então, pediram para estacionar, mas ela teria respondido com ofensas, segundo o boletim de ocorrência.
O registro policial aponta que Jaqueline teria empurrado o retrovisor do carro e desferido xingamentos homofóbicos. Depois, ela teria atirado um cone no casal, segundo o relato de testemunhas à polícia.
Parte da ação foi gravada. Na filmagem é possível acompanhar a mulher dizendo ser “mais macho que os homens e que valores estão sendo invertidos. “Eu sou de família tradicional. Eu tenho educação”, ela grita em direção ao casal.
Chamada, a PM liberou Jaqueline e não efetuou prisão em flagrante. Um processo foi instaurado na corregedoria da corporação a fim de investigar a conduta. Ainda não houve conclusão.
O Ministério Público de São Paulo denunciou a empresária em maio por lesão corporal e injúria racial por homofobia.
A defesa da mulher, no entanto, afirmou ser “exagerada e parcial” a forma como o caso é tratado e divulgado através da internet e dos meios de comunicação de massa.
Leia também
Juiz de MG cita Legião Urbana ao condenar empresa varejista por homofobia
Organizações promovem ‘terapias’ de conversão sexual no Brasil
Deixe um comentário