ICL Notícias

Por Amanda Miranda — Newsletter Passando a Limpo

Um bilionário conhecido por suas defesas políticas e trajes excêntricos ficou R$ 10 mil reais menos bilionário nesta semana ao ser condenado, em segunda instância, num processo relacionado a direito de imagem e dano moral, após expor um professor em suas redes sociais durante a eleição de 2022. Gabriel Bandeira Coelho era docente no Instituto Federal Catarinense de Brusque, cidade em que Luciano Hang, o proprietário da Havan, constrói parte do seu império, quando viu sua imagem render cliques, likes e engajamentos nas redes de Hang, com associações negativas a sua conduta como professor.

A sentença na primeira instância previa um valor de R$ 20 mil de indenização, mas na segunda instância dos juizados especiais o valor foi reconsiderado com voto divergente de uma das juízas. O calvário de Gabriel na Justiça catarinense começou no início de julho de 2022, com o primeiro movimento processual sendo uma declaração de suspeição por parte da magistrada Vania Petermann “por motivo de foro íntimo”.

Ele foi à justiça após ser exposto nas redes sociais da Hang, acusado de doutrinação, em vídeo no qual era presenteado com uma festa de despedida por seus alunos. O nome completo e o rosto de Gabriel apareciam para uma audiência de milhões de pessoas, o que gerou repercussão na Câmara de Vereadores da cidade, além de ameaças e de temor para o professor, os colegas e os próprios estudantes, já que o IFC chegou a receber telefonemas em tom acusatório sobre o ocorrido.

A despedida envolvia brincadeiras com conceitos da política e com a polarização entre o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas chegou às redes sociais de Hang com tom de perseguição política. Na ação, o professor lembra que as despedidas ocorreram de forma autônoma, com temas diversos do cotidiano, sarcasmo, bom humor, sátiras e zombarias, sem qualquer conhecimento prévio por parte dele.

Ainda, ele argumentava que as imagens dispostas nos quadros das turmas e que também apareciam nos vídeos divulgados por Hang não eram relacionadas a ele, tampouco representavam suas posições pessoais ou ideológicas. “Frise-se que ao manifestar seu direito de expressão, através de publicações realizadas em suas mídias sociais, o Réu extrapola os limites que lhe são constitucionalmente garantidos e atinge a imagem, honra, intimidade e vida privada do autor”, diz a sentença assinada pelo juiz leigo Gustavo Carrico.

O empresário Luciano Hang, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes

Volume de ações de Hang chama atenção

A vitória de Gabriel, que pedia R$40 mil, conseguiu um quarto disso, mas impôs uma condenação a Hang, expôs algo que já é conhecido por juristas que trabalham com a defesa de vítimas do extremismo: o bilionário é frequentador contumaz dos tribunais. A ferramenta JusBrasil indica 456 processos que mencionam o nome dele em diversos tribunais brasileiros.

Só em Santa Catarina, há 163 ações cadastradas com o nome dele no sistema eletrônico para tramitação dos processos judiciais. Destes, em apenas onze Hang é delimitado como réu, um deles uma ação movida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando o bilionário fez circularem faixas chamando Lula de ladrão nos céus do litoral catarinense. Lula perdeu, mas a ação corre em segunda instância.

Já na posição de autor, Hang processa de políticos como Gleisi Hoffmann, Guilherme Boulos e André Janones, a jornalistas como Miriam Leitão, passando por bigtechs como Google, Yahoo e Facebook. No mais recente Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos, Hang é apontado como um “autor litigante contumaz”.

“Embora o litígio contumaz por parte do empresário seja também direcionado a críticos, políticos e outros atores não envolvidos na atividade jornalística (HERDY; DACAU, 2021), o levantamento deste Monitor demonstra que o alvo preferencial do empresário é a imprensa”, destaca o texto do relatório. “O caso Luciano Hang ilustra bem como, para alguém com um patrimônio bilionário, o custo de ajuizar uma ação contra um jornalista é insignificante, de modo que esse elemento também é utilizado como parte da intimidação, criando uma ‘máquina’ de processos judiciais capaz de difundir medo entre aqueles que cogitam exercer seu direito à liberdade de informar”.

A assessoria de imprensa do empresário Luciano Hang não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta notícia.

Violência contra o professor

Gabriel relembra do seu calvário após a exposição de Hang com um certo alívio por não ter recaído em um cenário mais grave, como  o que pode acontecer com pessoas com algum gatilho ou doença mental. Ainda assim, se sentiu ameaçado e exposto, especialmente porque costumava circular sozinho pela cidade e seu rosto passou a ser conhecido.

A pesquisa “A violência contra educadores como ameaça à educação democrática: um estudo sobre a perseguição de educadores no Brasil”, iniciativa do Núcleo de Estudos em Educação Democrática (NEED) da Universidade Federal Fluminense (UFF), está mapeando as ameaças e intimidações a professores.

Em Santa Catarina, a deputada estadual Luciane Carminatti (PT) vem divulgando materiais sobre o assunto. A primeira etapa da pesquisa é um questionário on-line para ser respondido por professoras e professores de todo o país. Depois, haverá entrevistas com uma amostragem para se aprofundar no impacto desses ataques. O formulário está disponível aqui.

 

LEIA TAMBÉM

Homenageado pela Câmara, Luciano Hang já chamou política ambiental de ‘câncer’

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail